Ed. 3 - As barreiras que tivemos que saltar
Olá!
Esta é a terceira edição de Uma mulher que escreve, e eu nem acredito que conseguimos chegar até aqui. Não só porque você está lendo esses e-mails, mas também porque estou onde estou, com 23 anos, viva, tentando conciliar escrita e divulgação de um lançamento com um emprego novo. Foi um caminho bem longo até esse momento, e ele não foi fácil. E é sobre isso que eu quero falar hoje. Sobre esse caminho.
Eu sabia que queria ser escritora desde criança. Meu pai me conta que, antes mesmo de ser alfabetizada, eu dizia que quando crescesse, iria "fazer livros". Não passou muito tempo, e eu já estava mesmo fazendo meus primeiros livros. Aos sete anos, eu pegava uma folha de papel A4 e dobrava ao meio para ter uma capa. Depois, dobrava outra folha e colocava por dentro para ter quatro páginas. Nelas, eu escrevia e desenhava pequenas histórias, mais ou menos parecidas com os contos de fadas que estava acostumada a ler. E quando tudo ficava pronto, grampeava o bloco de folhas e dizia que era um livro e mostrava pra todo mundo.
Eu não tenho mais nenhum desses livrinhos guardados. Eles devem ter se perdido numa mudança de casa. Mas eu lembro que fazia isso para me divertir, para contar minhas "historinhas". Com o tempo, a minha escrita mudou bastante. Nem sempre foi divertido, como era naquela época. E durante uma boa parte da minha vida, escrever tem se parecido com uma corrida de obstáculos. Cheia de barreiras para pular. Sinceramente, eu não sei se elas vão acabar um dia.
Aos 12 anos, eu fui premiada em um concurso de redações. Ganhei um celular com funções que eu nem sabia usar! E as pessoas ficavam impressionadas com isso.Ter sido premiada desse jeito me deixou muito feliz. Eu adorava escrever redações na escola! E, se eu podia me destacar em um concurso, isso queria dizer que eu poderia ser escritora, não é mesmo? Eu encarei isso como uma validação. Nessa época, eu já tinha parado de dizer às pessoas que queria ser escritora quando crescesse. Porque, você sabe, elas começam a dizer que escrever não é profissão, que você precisa ter um trabalho "de verdade", fazer faculdade, e coisas assim. Mas a vontade continuava lá.
E eu passei a acreditar que participar de concursos era uma forma de dar "seriedade" à minha escrita e mostrar que escrever me levaria, sim, a algum lugar. É claro que eu não sabia racionalizar isso na época. E durante a minha adolescência, eu acreditava também que só havia duas formas de publicar um livro: 1) se você pagasse uma editora para isso; 2) se fosse convidado por uma editora para escrever. Eu nem imaginava que existissem coisas como autopublicação. Wattpad, Kindle Direct Publishing e financiamentos coletivos só chegaram ao Brasil vários anos depois, e eu já era adulta quando conheci tudo isso. Então, eu achava que para publicar um livro, precisava, basicamente, ganhar um concurso que tivesse publicação como prêmio.
Participei de vários deles durante a adolescência, sempre escolhendo aqueles que tinham inscrições gratuitas e pela internet, e que tivessem regras ou temas interessantes. Daí, vieram as minhas publicações nos livros Asas, Eixos e Versos e Brasília é uma festa, nos quais participo, respectivamente, com um poema e uma crônica. Eu achava que essas pequenas publicações eram um "aprendizado", um teste para quando eu tivesse a oportunidade de publicar o meu Grande Romance. Spoiler: isso ainda não aconteceu.
O tempo passou, e eu cheguei à Universidade e de repente já quase não tinha mais tempo para escrever como fazia durante o Ensino Médio. E eu não tinha nem vontade de escrever. Na graduação em Jornalismo, aprendi que notícias não eram escritas de qualquer jeito. Existe uma "receita de bolo" para escrever notícia. Um conjunto de técnicas não só para deixar os textos o mais concisos e informativos possível, mas também para fazer com que veículos de comunicação possam colocar todas as notícias e reportagens da atual edição no espaço de um jornal ou uma revista, no tempo de um telejornal ou de uma transmissão de rádio. E aprender isso foi importante, mas me desencantou um pouco. Durante parte da minha graduação, eu estava tão cansada de escrever notícias sobre o que, quem, onde, quando, como e por que, que já quase não escrevia para me divertir. Eu quase não contava mais as minhas histórias.
Até que, um dia, tive uma epifania. Senti aquela vontade de escrever que eu já não sentia havia tempos. Vi um balanço pendurado em um caramanchão, numa avenida movimentada no centro de Goiânia, e escrevi uma crônica sobre isso. Era 2017. Abri uma conta no Medium, uma rede social para pessoas que gostam de escrever, e passei a postar textos esporadicamente. Crônicas, artigos de opinião, poemas... Mas apenas coisas que eu tinha certeza de que estavam boas e eu que eu tinha coragem de mostrar de forma despretensiosa. Nada que eu, em outros tempos, tentaria enviar para uma concurso como aqueles dos quais participei no passado.
A essa altura, eu já tinha reunido alguns contos numa coletânea, que em 2016 tentei enviar para um concurso sério, do tipo que premia com publicação de livro solo e dinheiro, mas não fui contemplada. E, muito insegura com isso, pedi que um único amigo, em quem eu tinha muita confiança, lesse os contos e me dissesse se eram bons ou não, para que eu decidisse o que fazer com eles. Eu continuava com medo. Medo de publicar. Medo de ter opiniões de pessoas desconhecidas. Medo de ter um texto nas mãos de um editor. E o que me fez perder o medo não foi a opinião do meu amigo, mas a de uma cabelereira.
Um dia, em março 2018, eu decidi cortar o cabelo acima dos ombros. Naquela época, meu cabelo chegava quase à cintura. Pedi indicações em um grupo no Facebook, e fui cortar o cabelo com alguém que entendia de cabelo cacheado, diferente de todas as outras pessoas que tinham cortado meu cabelo antes, que só entendiam de alisar cabelos. Ela se chamava Odésia, e atendia em um lugar que não era um salão, mas sim um espaço cultural de uso coletivo. A coisa que mais se assemelhava a um salão naquele lugar era o espelho oval preso na parede, com uma bancada na frente, onde ficavam vários pentes, tesouras, prendedores e outros instrumentos típicos. Na frente daquele espelho, Odésia segurou meu cabelo puxando para trás, e, de uma vez só, cortou aquele rabo-de-cavalo enorme. E enquanto ajeitava as pontas, dando o formato que eu queria no corte, íamos conversando. Ela me perguntou o que eu fazia, e eu disse que estudava jornalismo. E me perguntou se não tinha mais nada que eu gostasse de fazer, ou algo em que eu fosse boa. Respondi a ela que era boa em escrever. E ela me perguntou, me olhando pelo espelho: "E por que você não está fazendo nada com isso?".
Na hora, eu não soube o que responder. Mas, dias depois, postei um conto antigo no Wattpad, e os comentários que recebi lá, de pessoas que não eram minha mãe ou meu pai ou meu irmão ou minhas melhores amigas, me deram coragem para publicar mais. Descobri que uma editora independente do Rio de Janeiro estava recebendo contos sobre sereias para uma antologia, e foi assim que participei de Sereias: Encantos & Perigos.
E, consumindo muitos e-books publicados de forma independente na Amazon, e acompanhando vários autores via Twitter que às vezes davam dicas sobre como escrever melhor ou como se autopublicar; ouvindo podcasts de escrita como Curta Ficção e Os 12 Trabalhos do Escritor; e acompanhando canais sobre escrita, como o Ficçomos e o canal do Vilto Reis, eu fui aprendendo coisas, até, no ano passado, ter coragem suficiente para publicar Mesmo que eu vá embora.
E a história de como escrevi Elas Falam Por Si, ainda em 2018, você já conhece.
Contei tudo isso aqui porque eu tenho muito orgulho da minha trajetória e porque acho que é muito importante conhecermos histórias de como escritores se tornaram escritores. Eu resumi bastante a minha, e acredite, foi muito difícil passar a me chamar escritora. Anos atrás, eu costumava dizer que queria ser escritora, que era escritora iniciante, aspirante a escritora, até que me senti finalmente "autorizada" a usar o nome certo para aquilo que eu faço desde que me lembro.
E assim, eu volto ao início deste e-mail. Meu caminho foi esse. Houve muitas barreiras nele. A barreira de não saber como escrever e publicar livros; a barreira de aperfeiçoar minha própria escrita e encontrar meu estilo; a aparente incompatibilidade entre uma escrita técnica (a do jornalismo) e uma escrita mais livre (a literária) e a descoberta de que as duas coisas podiam se unir no jornalismo literário (se você não sabe o que é isso, leia esse post no meu instagram); a descoberta da autoconfiança; o aprendizado de como lidar com público, como receber resenhas, como me submeter, de forma adequada, a seleções de originais, de como fazer ou contratar vários serviços editoriais. Uma verdadeira corrida com obstáculos, que hoje eu corro no meu próprio ritmo, sem tentar alcançar outras pessoas, parecendo mais uma caminhada. Sem enxergar como uma competição.
Hoje, eu ainda encontro algumas barreiras: a de precisar do famoso "emprego de pagar as contas" para continuar sustentando meu sonho; a de aprender a lidar com finanças; a de viver no Centro-Oeste, longe das editoras, dos eventos literários e prêmios relevantes. E minhas entrevistadas em Elas Falam Por Si também têm ou tiveram suas próprias barreiras para saltar por cima: a invisibilidade da ficção especulativa brasileira; a distância em relação aos grandes centros culturais do país; o olhar preconceituoso sobre suas obras; a falta de lugar adequado para publicar um livro fora dos padrões; as dificuldades de manter uma editora independente apenas com incentivos culturais locais; as questões de raça envolvidas na busca por uma publicação. Tudo isso, você vai entender lendo Elas Falam Por Si, que, aliás, está em pré-venda até domingo, dia 15, e você pode reservar seu exemplar antecipadamente!
Depois de contar toda a minha história enquanto escritora, eu adoraria saber como foi a sua até aqui, caso você também escreva. Quais foram os seus obstáculos? Pareceu mais uma corrida ou uma caminhada? Responda esse e-mail contando, caso você se sinta confortável.
Abaixo, vou deixar links para os podcasts e canais no YouTube sobre escrita que mencionei durante o texto:
Se você também escreve, eu recomendo muito que acompanhe esses conteúdos!
Um abraço,
Lethycia
Para me acompanhar melhor, você pode me encontrar nos links abaixo:
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