Ed. 28 - Ta todo mundo exausto
Olá! Já criou conteúdo para suas redes hoje?
É brincadeira (ou talvez não)! Decidi começar assim a edição 28 de Uma mulher que escreve para tocar num assunto que tem permeado a minha vida nos últimos meses, e que, recentemente, veio à tona na minha timeline do Twitter.
É meio que um consenso na comunidade literária hoje em dia que, para o seu livro vender bem (ou simplesmente vender algum exemplar físico ou digital de vez em quando), você precisa divulgá-lo. Não, nenhum de nós é a autora daquela série de livros sobre o menino com uma cicatriz. Fazer com que as pessoas conheçam nossos livros e se interessem por eles, num país em que a média de leitura é de 4 livros por ano, exige trabalho. Esse trabalho custa tempo, dinheiro, energia e saúde mental. E eu sinto que a comunidade de autores da qual participo está cada vez mais cansada disso.
No último dia 29 (dia de pagamento da Amazon), a discussão sobre como somos mal pagos por uma empresa cujo dono é bilionário começou novamente. Você sabia que uma página lida no Kindle Unlimited equivale a apenas uma fração de centavo paga para quem publica um livro pelo KDP? É preciso ter dezenas de páginas lidas para ganhar um centavo e centenas de milhares, de preferência em livros diferentes, para ganhar o equivalente a um salário mínimo ao longo de um mês.
Para conseguir isso, é claro, você precisa se divulgar. A melhor forma de fazer isso é criando conteúdo para alguma rede social (pode ser aquela que você preferir: o Instagram, o Twitter, o Tiktok). Você precisa de seguidores, entendimento sobre o que eles desejam ver e sobre como funciona o algoritmo e os formatos de postagem em cada rede. E nada de falar da rede concorrente, senão ninguém vai ver o que você postou!
Dizem que você também precisa de constância. Postar sempre. "Quem não é visto não é lembrado". E dessa vez, não estou falando só da divulgação. O KDP também funciona mais ou menos assim, e em alguns nichos, quem vive só de escrita chega a publicar um livro a cada três meses na tentativa de estar sempre nas listas de novidades, no corpo dos e-mails de recomendações e no topo dos rankings de mais vendidos.
Não dá pra dizer que é impossível, porque já acompanhei uma autora que admiro publicar um conto ou novela por mês durante o ano passado. Estou falando de Maria Freitas, que já teve mais de um milhão de páginas lidas com suas histórias sobre pessoas bissexuais. Outros autores que costumo ler já experimentaram publicar um livro por estação (três meses), como a Lyli Lua com sua Pantologia, ou, sem periodicidade exata, séries de livros com temática de datas comemorativas, como Henri B. Neto com seus personagens Natan & Lino.
Mas, para mim que tenho apenas uma hora por dia para escrever, tudo isso parece inatingível. Um romance em três meses? Meu bem, eu estou escrevendo o meu há cinco e ainda estou no início!
Acontece que existe uma pressão enorme para que continuemos produzindo sem parar, o mais rápido possível, no maior volume que pudermos. "Se você ficar muito tempo sem publicar nada, seus leitores podem te esquecer". E como você vai recuperá-los, ou conquistar novos, se isso é tão difícil? Não vou mentir: faz um ano que o medo de ser esquecida alugou uma mansão na minha cabeça e nunca mais saiu.
Por volta de julho do ano passado, depois de um junho com números maravilhosos, as vendas e leituras de Mesmo que eu vá embora começaram a cair e eu comecei a pensar em como escapar do esquecimento. Várias ideias já passaram pela minha cabeça. Publicar um conto de natal. Publicar um conto de carnaval. Lançar meu livro-reportagem com capa nova. Começar a construir uma comunidade de leitores. Tentar me divulgar melhor. Escrever histórias maiores para ter mais páginas lidas. Desde então, estou tentando várias coisas, na maior parte do tempo achando que faço o melhor que posso, de vez em quando surtando com a síndrome do impostor e repetindo para mim mesma que deveria fazer mais. As vezes, é exaustivo. E eu sinto que todo mundo nesse mercado, especialmente quem publica de forma independente, alterna entre esses dois pensamentos. E ta todo mundo exausto.
Depois de resolver o probleminha de planejamento que citei na última news, me deparei com outro. O capítulo seis continuava andando devagar, e com isso, meu desânimo aumentou. Tive vários dias em que não consegui escrever, e novamente precisei de uma solução criativa.
Numa tarde paradíssima no trabalho, pensei em acrescentar novos personagens ao núcleo de uma das minhas protagonistas e dar algo para mantê-la ocupada. Logo percebi que a ideia nova gerava uma série de consequências para a história, que vão agravar os conflitos já planejados da personagem. Terminei o mês feliz com essa decisão, e ao fazer o meu balanço do mês, descobri que cheguei às 19 mil palavras escritas (2.668 em julho).
Já em agosto, cheguei ao fim do capítulo seis e iniciei o sete, novamente encontrando dificuldades para avançar. Alterei uma cena já escrita no capítulo cinco para dar mais contexto ao trecho onde parei, então tudo fluiu bem melhor.
Essas pequenas resoluções me fizeram pensar numa coisa interessante sobre a escrita: estamos o tempo todo criando e resolvendo problemas quando escrevemos (sejam os dos personagens ou os nossos). Uma corrente já antiga da internet da qual eu gosto muito imagina como alguns filmes acabariam em minutos caso alguém dissesse ou fizesse determinada coisa. Além de achar muito divertido, eu acho que esses memes têm tudo a ver com escrever ficção. Porque a história trágica de Titanic não existiria se todos não estivessem tão convencidos de que o navio era impossível de afundar e se não tivessem economizado na quantidade de botes só para não atrapalhar o passeio dos ricos pelo convés. E seria fácil trabalhar em uma grande revista de moda só para melhorar o seu currículo se a sua chefe não fosse completamente abusiva e esse não fosse um mundo em que as pessoas querem puxar o tapete umas das outras. E não aconteceriam coisas estranhas na sua casa se você não tivesse decidido morar onde aconteceu um assassinato. Enfim: acho que, exceto em alguns casos muito particulares, não se pode contar uma boa história sem criar algumas situações difíceis ou desconfortáveis para nossos personagens (é isso que chamam de conflitos). Fazer com que a história chegue ao fim é resolvê-los (ou levá-los ao extremo).
- Para encerrar o assunto da exaustão causada pela necessidade de produzir conteúdo, recomendo a da newsletter Pausa, de Nádia Camuça. Nádia é uma escritora cearense e mantém um dos perfis no Instagram que eu mais gosto de acompanhar. Na tentativa de vender exemplares de seu livro, ela começou a estudar sobre marketing digital, mas adaptou o que aprendeu para produzir conteúdo de uma forma que se sente confortável. O texto linkado reflete bastante sobre como a pressão para produzir conteúdo nos deixa cansados e foi muito impactante pra mim.
- Mônica e Enzo Todos os Dias é um romance de Denise Flaibam, originalmente publicado em formato e-book, e agora será publicado em formato físico pela Editora Mundo Uno via financiamento coletivo no Catarse. A campanha termina no dia 03 de setembro e ainda faltam 45% da meta de arrecadação. É uma comédia romântica com protagonismo negro e assexual e estou bem curiosa por essa história, por isso, já deixei meu apoio. Apoie você também!
- Essa thread no twitter reflete sobre os preconceitos que muita gente tem com cenas de sexo e como, dependendo do contexto, uma cena de sexo pode ser importante em um livro. Gostei disso, porque, mesmo não lendo com frequência livros eróticos, eu gosto de encontrar cenas sexuais bem-feitas em livros de outros gêneros, e estou pensando em fazer uma. Já esse post de Raíssa Selvaticci, no Instagram, reflete sobre cenas de sexo com personagens LGBT e por que é importante que elas existam.
- O recém-lançado álbum Noturno, de Maria Bethânia, é poesia pura. Foi minha alegria no penúltimo fim de semana e estou ouvindo sem parar algumas de suas canções.
- Iah: fatos e assombrações, é o novo romance de Matheus Monteiro. Em formato fix-up, o livro nos apresenta a uma cidade assombrada, um rapaz amaldiçoado e uma vingança que espera por décadas para ser realizada. Será lançado em plena sexta-feira 13. Compre em pré-venda.
- O recém-lançado livro A Filha Primitiva, de Vanessa Passos, é uma novela sobre maternidade, identidade e desigualdade de gênero. Nele, acompanhamos uma protagonista sem nome em conflito constante com a mãe, que lhe esconde qualquer informação sobre o pai. Ao mesmo tempo, ela não consegue se ver no "papel" de mãe da própria filha. Em poucas páginas, Vanessa Passos fala de forma crua e direta sobre coisas que podem afetar um grande número de mulheres.
Aproveitem as dicas!
Um abraço,
Lethycia
Elas Falam Por Si
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