Criança perdida no mercado - Uma mulher que escreve #45
Uma crônica da minha infância e meu trabalho (já não tão) secreto.
Por Lethycia Dias | Edição 45
Criança perdida no mercado - Uma mulher que escreve #45
Olá, pessoas que leem! Eu não ia escrever essa semana, porque mais uma vez, fui engolida pela rotina. Mas como soltei uma revelação bombástica no Twitter na sexta-feira, achei que não podia perder o timing pra comentar o assunto aqui também. Então, aqui estamos. Os assuntos de hoje são:
Uma crônica da minha infância; e
Meu trabalho secreto.
Antes de criar minha própria news, eu já era uma grande consumidora de newsletter, assinando várias ao mesmo tempo. Hoje, uma das minhas favoritas é a do Júnior Bueno, um veterano da graduação em Jornalismo que sempre tem histórias engraçadas pra contar.
Pois duas semanas atrás, quando enviei a útima edição de Uma mulher que escreve, li na news do Júnior, a cinco ou seis coisinhas, uma história de como ele se perdeu da família quando era criança. Acho que todo mundo já deve ter vivido alguma coisa parecida, então achei legal compartilhar minha própria história de perdição. Fiquem com uma pequena crônica da minha infância:
"Senha Clevoneide, sua filha Lethycia aguarda"
Meu pai é viciado em mercado. Eu não sei como explicar de outro jeito essa característica tão peculiar. Mas fazer compras, com o meu pai, é assim: ele vai em um mercado, olha as promoções no encarte e percorre os corredores lentamente, prestando atenção, comparando produtos, colocando coisas no carrinho e às vezes tirando se encontra uma marca diferente que pareça melhor ou mais barata. Muita calma para a sessões de frigorífico. Ele é capaz de passar muito tempo nelas. E depois de escolher os produtos e pagar, talvez ele passe em outro mercado. E outro. E outro. E talvez mais outro.
Essa é uma coisa que me lembro bem da minha infância. Nos fins de semana, às vezes saíamos pra passear em algum lugar, e na volta, meu pai passava no mercado. Quer dizer: em vários mercados. E ele gosta dos hipermercados, aqueles grandes com várias lojas dentro, que podem ter sessões só de eletrônicos, livros, discos e filmes, brinquedos, jardinagem, e às vezes, até restaurante. Então numa dessas saídas, nós podíamos começar indo ao Carrefour, depois ao Extra, depois uma dar passadinha no Walmart e acabar chegando em casa só de noite, com um o porta-mala cheio de sacolas (ou não).
Meu pai é obcecado por comparar preços e leva isso muito a sério. Se ele encontra uma coisa barata em um lugar, mas de alguma forma, sabe que está mais barata em outro, ele deixa pra comprar no segundo mercado. Às vezes, quando encontrava uma promoção muito boa mesmo, comprava algum produto em quantidade exagerada e nós passávamos meses sem precisar comprar de novo. Às vezes, levava pra casa coisas que nem estavam na lista de compras, só porque o preço estava bom.
Outros tempos. Não era como hoje, que você vai no mercado comprar uma besteirinha e perde cem reais.
Meu pai era capaz de passar um dia inteiro pulando de mercado em mercado, e eu me lembro de algumas vezes termos almoçado ou jantado nesses lugares. Sinceramente, não sei como a minha mãe aguentava. Hoje em dia, nós duas detestamos o dia de fazer a compra do mês, porque perdemos um tempão do nosso precioso fim de semana, gastamos um dinheiro que vale cada vez menos e passamos o maior sufoco pra levar as coisas pra casa chamando Uber, já que não temos carro.
Eu e meus irmãos achávamos divertido. Era uma parte do passeio em si. Minha mãe fazia questão de nos manter bem arrumados, porque uma ida ao Plano com meu pai (que é como nós, pessoas do Distrito Federal, falamos quando saímos da nossa cidade satélite para ir até Brasília) podia significar que iríamos a qualquer lugar. Mercado, shopping, Feira dos Importados... Tudo podia acontecer!
E enquanto meu pai fazia sua inspeção de preços, a gente se divertia à beça! Nossos corredores favoritos nesses mercados grandes eram os de brinquedos - por motivos óbvios - jardinagem - porque gostávamos de sentar em cadeiras e balanços que às vezes ficavam expostos - e no meu caso, o de livros, porque eu ficava sonhando em poder ler todas aquelas histórias. Meu pai raramente comprava livros pra mim, e na verdade, só pude começar minha coleção durante a adolescência.
Acontece que se você passa muito tempo em um lugar assim, você acaba ficando com sede ou vontade de ir ao banheiro. Nessas horas, eu avisava pra minha mãe, e se ela não precisasse ir também, às vezes me deixava ir sozinha. Meu irmão Artur quase sempre ia comigo, e quando nos encontrávamos no lado de fora do banheiro, fazíamos nossa operação própria para encontrar nossos pais e nosso carrinho: encontrar o corredor vertical que cortava o mercado ao meio e percorrê-lo correndo do início ao fim, olhando os corredores verticais. Cada um olhava para um lado. Quem achava primeiro, alertava o outro. Se eu ia sozinha, fazia o mesmo, porém mais devagar, já que não tinha nenhuma ajuda.
Numa dessas vezes em que fui ao banheiro ou bebedouro sozinha, acabei me perdendo. Andar depressa olhando todos os corredores não funcionou. Eu já tinha percorrido todo o corredor principal numa direção e também na direção oposta, e nada de enxergar minha família. Talvez eu tivesse nove ou dez anos. Não lembro minha idade exata. Só lembro que eu já estava mais do que acostumada a procurar meus pais desse jeito, mas não sabia lidar com a possibilidade de não encontrá-los.
De repente, tive um pensamento horrível: e se eles me esquecessem e fossem embora pra outro mercado?
Desesperada e já sem ideias de como procurar, me lembrei de uma coisa que eu já tinha visto acontecer algumas vezes com outras pessoas, e talvez fosse a única forma de não ser deixada para trás.
À beira das lágrimas, me aproximei de um caixa que estava vazio, chamei a funcionária e disse: "Moça, eu não consigo encontrar o meu pai e a minha mãe".
Pouco depois, uma voz feminina alertava pelo sistema de auto-falantes do estabelecimento: "Senhora Clevoneide, sua filha Lethycia aguarda no balcão de informações". E logo mais, minha mãe aparecia, entre constrangida e preocupada, me perguntando como não consegui encontrar nem ela e nem o meu pai, a ponto de precisar fazê-la passar pela vergonha de ter seu nome chamado para que todos ouvissem. Não lembro o que respondi. Jiuliano, meu irmão mais velho, me zoou por muito tempo por ter precisado "pedir socorro" como uma criancinha pequena.
Se eu contasse essa história no Twitter, minha mãe com certeza seria chamada de irresponsável; meu pai, acusado de ser rico por fazer compra em tantos mercados diferentes enquanto tem gente passando fome; ambos seriam cancelados por essas atitudes, e eu, por ter convivido com meu pai na infância.
O trabalho (já não tão) secreto
Na última sexta-feira (29), fui autorizada a falar publicamente sobre o trabalho que estou fazendo. Aquele freela legal que mencionei semanas atrás. Se você me segue no Twitter ou no Instagram, já deve estar sabendo. Se não, então fique com a novidade:
Até então, quem estava sabendo eram só minha mãe, meu pai, e meu irmão. Não é o meu primeiro trabalho que exige sigilo, então eu já estou acostumada a fazer coisas que não podem ser comentadas.
Acho meio esquisita a moda de alguns profissionais de saír "contando histórias" de seus trabalhos em redes sociais, podendo causar constrangimento em pacientes, clientes e colegas de trabalho. É claro que até março, a minha personalidade na internet era baseada em reclamar do meu antigo emprego, mas eu não saía expondo ninguém quando fazia isso.
De certa forma, o sigilo continua. Não posso falar sobre o que faço. Mas embora tenha ficado nervosa e ansiosa com o anúncio público, fiquei muito felizinha com os parabéns de pessoas do meio literário e também de amigos que já me apoiaram em tempos difíceis e que - de verdade - sempre torceram por mim.
Mas, resumindo: estou fazendo uma coisa legal; que combina comigo; que exige habilidades que eu tenho, como ser organizada e saber interpretar informações; e que me coloca ainda mais em contato com livros e pessoas que trabalham com livros. Isso só quer dizer que consegui, pela primeira vez na vida, um trabalho de que gosto. E que vou para a Bienal do Livro em julho. Mal posso esperar para me encontrar com meus mutauls que também são escritores! E estou feliz pra caramba. Fiquem com o tweet que postei outro dia:
Li, ouvi e assisti
Após a edição passada, assisti de uma só vez a série Heartstopper, que ficou tão fofa quanto eu esperava, e por quatro horas seguidas, me fez sorrir para a tela da televisão. Esse foi um dos principais assuntos nas minhas redes sociais durante os últimos dias e ainda não me cansei de falar a respeito, e de consumir conteúdo relacionado, envolvendo resenhas, análises e memes. Se você gosta de séries adolescentes e ainda não viu, vale a pena: os episódios são curtinhos e a história é leve e muito linda.
Meu rodízio de serviços de streaming continua, mas agora, tenho Hbo Max e e não tenho mais acesso ao Star+. Isso muda minhas opções de filmes pra melhor, porque eu acho que posso morar na sessão de clássicos do Hbo Max.
Embarquei na releitura de um livro clássico que li pela primeira vez dez atrás (e eu me sinto muito velha falando isso). Lira dos vinte anos foi meu livro favorito do romantismo brasileiro, e eu entendo o porquê. A Lethycia de 15 anos viveu várias paixõezinhas no Ensino Médio e suspirava lendo os devaneios do Álvares de Azevedo sobre beijar jovens adormecidas. Nessa idade, eu ficava imaginando o que acontecia depois que duas pessoas se beijam bastante, e os poemas também têm um pouco disso. E o pessimismo dos jovens do século XIX que também marca esse movimento literário, surpreendentemente, faz muito mais sentido agora pra mim!
Comecei a ler um livro teórico feminista e estou avançando bem devagar. Provavelmente vou acabar meu período promocional de assinatura do Kindle Unlimited ainda com esse livro. O que entendo de feminismo vem muito de discussões em redes sociais, vídeos no Youtube (feitos a partir de boa pesquisa) e conversas com outras mulheres também feministas, mas eu sinto falta de estudar de verdade. Faz tempo que venho colecionando livros feministas e não lendo nenhum, então comecei a mudar isso com A criação do patriarcado, de Gerda Lerner. A autora tenta traçar uma linha histórica - desde a pré-história - para compreender o que tornou mulheres submissas a instituições como Família, além de tuteladas pela sociedade na forma de Igreja, Direito e Estado.
Ontem terminei de reler Gabriela, cravo e canela, e foi uma experiência bem diferente do que eu esperava. Talvez a minha lembrança fosse muito contaminada pela novela de 2012, como vocês puderam ver na última edição. A questão é que o livro, diferente de sua adaptação, não gira em torno do romance, e nem Gabriela é sua personagem principal, como o título sugere. São tão importantes quanto ela a política da região, dominada por coronéis e seus jagunços; o progresso da cidade evidente tanto em mudanças estruturais quanto de costumes; e o conhecido "jeitinho brasileiro", que se faz presente do início ao fim. A minha edição traz o subtítulo "Crônica de uma cidade do interior", e é isso que esse livro é. Não quer dizer que não gostei. Muito pelo contrário.
Recomendações
Até o domingo (08), acontece a Feira da Unesp, em que várias editoras participam com descontos de no mínimo 50% em parte de seus catálogos. Eu já me decepcionei tentando comprar livros hypados que esgotaram na primeira madrugada da promoção, mas se você tem uma lista de desejados menos ambiciosa do que a minha, ainda pode valer a pena procurar pelo que te interessa. A lista de editoras participantes está disponível no site do evento, e cada uma delas divulga sua própria lista de títulos disponíveis na feira, assim como os preços promocionais.
Assinem a Cinco ou seis coisinhas, a newsletter do Júnior. E leiam o livro dele, Cinco ou seus coisinhas que aprendi sendo trouxa e outras histórias, que inclui ótimas crônicas sobre relacionamentos, autostima e amor-próprio.
Lembrem-se de usar meus links da Amazon! Como eu não canso de lembrar, cada compra feita através de um deles gera uma comissão pra mim e isso me ajuda a complementar minha renda!
Eu fico por aqui.
Um abraço,
Lethycia