Escrever é como se despir - Uma mulher que escreve #78
Os medos que vamos deixando de lado até estarmos confortáveis para conseguir escrever - e o medo que abandonei recentemente
Olá, pessoas que leem!
Tenho escrito bastante desde a última vez que nos falamos por aqui, porque no dia seguinte ao envio da última edição, comecei o NaNoCLT e isso foi tudo o que eu precisava pra me empolgar ainda mais com o meu romance! Todos os dias, além de postar meu story típico de “Hoje escrevi x palavras”, também atualizo uma thread que estou mantendo no Twitter com os meus avanços na escrita.
Outras pessoas também estão participando do desafio, seja na versão original com meta de 50 mil palavras, ou na versão de protelário fodido com 11 mil de meta, e ver todo mundo alegre comemorando o que já conseguiu até aqui só tem me dado mais vontade de escrever. Então, como estou bem envolvida no Mundinho Escritores que Realmente Escrevem, decidi cometer um Texto Sobre Escrita.
Eu não sei qual a proporção entre escritores e não-escritores que me acompanham aqui em Uma mulher que escreve, mas juro que vou tentar organizar o pensamento de um jeito que todo mundo vai entender e achar legal. O texto abaixo começou a se formar na minha mente na semana passada enquanto eu lia a edição Voltar para casa da newsletter Outra Palavra, de Aline Valek, e ficou ainda forte quando li Terror e romance: dois lados da mesma moeda, a edição mais recente de Outro Pesadelo, a newsletter de Gih Alves.
A primeira, fala de escrita a partir do livro Writting down the bones, de Natalie Goldberg, e do ensaio The Carrier Bag Theory of Fiction, de Ursula Le Guin. A segunda fala das semelhanças entre histórias de fantasma e histórias de amor e do que levou Gih Alves a escrever seu livro Os fantasmas entre nós.
Os dois textos, a partir da sentença “Se você evita algo, isso se torna óbvio” na news de Aline Valek, me fizeram pensar no seguinte:
Despir-se pouco a pouco
Escrever é como se despir. Não se despir do jeito que a gente faz na hora dos finalmentes com aquela pessoa, mas do jeito que a gente tira a roupa num consultório médico. Meio devagar, meio constrangida, porque você nem queria estar fazendo isso, mas você sabe que é importante e que precisa disso pra atingir um objetivo. Às vezes o que a gente quer é realizar um exame e saber como ta a saúde, às vezes a gente quer colocar pra fora uma história que não sai da nossa cabeça.
Uns dez anos atrás, quando eu levava um caderno a mais na mochila da escola pra escrever meus poemas e histórias entre uma aula e outra, eu tinha um monte de medos. O maior deles era de deixar que as pessoas lessem minhas histórias (eu sei, é contraditório ter medo disso e querer ser escritora), então sempre que alguém se aproximava da minha mesa, eu tampava o caderno com os braços ou o enfiava de volta na mochila. Só minhas amigas mais próximas podiam ler, e eu levei anos até ter coragem de postar um conto no Wattpad e deixar que desconhecidos lessem.
É que na época, eu achava que nenhuma das minhas histórias era tão boa quanto os livros que eu lia - por mais que eu quisesse escrever bem -, e tinha medo de que alguém apontasse o quanto eu era não boa, ou simplesmente de que uma colega babaquinha do fundo da sala percebesse o que eu fazia no tempo livre e risse da minha cara por ser tão ridícula.
Um dia eu precisei me despir desse medo para publicar minha primeira história, e é por isso que eu acho que para escrever, a gente tem que ir se despindo aos poucos, tirando uma peça por vez. É por isso que às vezes quem ainda ta vestindo um monte de roupas sobrepostas e desconfortáveis fica meio assustado com a pessoa que já ta no topless com as próprias histórias, sabe?
Vou explicar melhor:
Quando a gente começa a escrever, é como se a gente estivesse usando todas as nossas roupas umas por cima das outras, sem nenhum critério de combinação. Você só tacou uns três casacos um por cima do outro numa dia muito frio, uns dois pares de meia nos pés, uma touca na cabeça e ainda colocou o capuz do moletom por cima. Você tem medo de não ser bom. Você tem medo de escrever um personagem com uma vida muito diferente da sua. Você tem medo de fazer o vilão da história ser uma pessoa elitista e racista porque é imoral ser elitista e racista. Você tem medo de fazer seu herói soltar um “porra!” porque é feio falar palavrão. Você tem medo de fazer o seu personagem falar uma gíria ou uma expressão regional porque aprendeu que tem que escrever em “Português correto”. Você tem medo de escrever uma cena de sexo porque a sua família vai ler e te achar uma pervertida safada. Você tem medo de escrever, na primeira pessoa, o que o seu personagem pensa sobre um assunto polêmico da atualidade e todos acharem que é assim que você pensa.
Eu já tive todos esses medos. Não existe uma receita infalível para se livrar deles, mas quanto mais eu escrevia, quanto mais lia livros originalmente escritos em Português e via outros escritores falando sobre o processo de escrita deles e consumia conteúdos de dicas de escrita, mais confortável eu ficava em fazer as coisas que anteriormente me davam medo enquanto escritora.
Comecei a sentir um calorzinho. Aí tirei aquele primeiro casacão pesado e publiquei minha primeira história. Tirei a touca e me inscrevi na seleção de uma antologia. Tirei as luvas e comecei a criar cenários mais brasileiros e familiares. Tirei o segundo casaco que esquentava mais ou menos e comecei a criar personagens que não eram só o padrão branco-classe-média-ou-rico-hétero-etc. Tirei as botas e as meias e entendi que era gostoso pisar no chão e sentir aquele tipo de história que eu vinha escrevendo e que era muito diferente das de antes. Fiquei de calça e camiseta, mas de vez em quando é necessário tirar também a calça e a camiseta e o que está por baixo para continuar escrevendo. Então eu me lembro de todas as peças de roupa que larguei pelo caminho. E tiro o que me resta de medo.
Um dos meus maiores medos na escrita era de que as pessoas lessem as minhas histórias e tivessem certeza de que eram sobre mim. Não importava se as personagens fossem pessoas com outros nomes, em outras cidades… As pessoas achariam que era eu! E é irônico lembrar que por muito tempo, muitas pessoas que leram Mesmo que eu vá embora me perguntavam se a história do conto tinha acontecido comigo.
Em algum momento eu entendi que não, não estava escrevendo um monte de versões de mim mesma nas minhas histórias e nem colocando as pessoas que conheço como personagens secundários e mudando seus nomes, e entendi que a maioria das pessoas, exceto alguns que me fizeram a pergunta diretamente, não andava por aí imaginando quanto daquilo que leram era “autobiográfico”, e que se imaginassem, isso importava muito pouco.
Aí ficou bem mais fácil lidar com o fato de que alguma coisa de mim sempre ia parar numa das minhas personagens. Às vezes era um traço de personalidade, um sentimento ou medo específico, mas eu trabalhava isso de acordo com toda a bagagem que aquela personagem levava de sua vida pregressa e de acordo com o que a história pedia dela naquele momento. Nem sempre o que a personagem decidia fazer a partir disso era o que eu mesma faria, se estivesse no lugar dela. Elas não eram eu, e eu não sou elas. Mas são uma parte de mim, e eu sou alguma coisa delas. Em que proporção, não sei. E depois de eu ter percebido que já estava despida para escrevê-las, também não importa.
As últimas
Outro fator fundamental para que eu escrevesse o texto de hoje foi porque no dia 2 de novembro, eu precisei me livrar de um medinho que ainda existia na Lethycia escritora. Minhas personagens tiraram a roupa - badum tss! - e eu não poupei nenhuma detalhe. Não vou deixar ninguém frustrado com “E se amaram a noite inteira” no livro que estou escrevendo.
Eu já tinha escrito cenas de sexo antes, mas sempre daquele jeito meio vergonhoso, e só nas minhas fanfics antigas que hoje não mostro pra ninguém. Depois que comecei a escrever profissionalmente, eu nunca tinha considerado incluir uma cena de sexo numa história que realmente gostaria que as pessoas lessem, até começar a planejar essa história. Mas nada é mais lógico do que isso quando duas pessoas que gostam muito uma da outra se reencontram depois de meses afastadas, e é assim que elas vão perceber que querem mesmo fazer alguma coisa para não precisarem se afastar por tanto tempo de novo.
E minhas protagonistas não só gostam uma da outra. Elas se amam. Pra caramba. Estão morrendo de saudade e de medo e têm um monte de coisas que não conseguem dizer uma pra outra. Tudo que elas precisam para ser felizes é de um quarto fechado, até porque eu acabo com a felicidade delas no dia seguinte.
No primeiro dia desse mês, e também primeiro dia do NaNoCLT, eu escrevi a cena hot das minhas personagens, e nos dias que se seguiram escrevi a discussão horrível que elas têm por causa das péssimas decisões que ambas tomaram. Só vou descobrir se ficou bom na fase de editar a história, porque não quero ficar preocupada demais com isso e deixar de escrever tentando melhorar o que já está feito.
Foi maravilhoso o mês ter começado com um feriado, porque dois dias seguidos de folga me permitiram escrever muito mais do que estou acostumada, e na semana seguinte (ou seja, a semana passada), eu escrevi além da meta de 500 palavras diárias por vários dias, exceto sexta-feira. Com isso, eu já bati o record do mês passado, e agora é novembro o mês em que eu mais escrevi esse ano. Será que me supero de novo no mês que vem?
Deixe aqui seu incentivo!
Um aviso
Na sexta-feira dessa semana (17 de novembro), o Divulga Nacional em parceria com o Maratona App vai realizar outra grande promoção com livros de escritores brasileiros independentes, e eu vou participar com todos os meus livros!
Nos dias 17 e 18 de novembro, meus livros Mesmo que eu vá embora, Como Salvar uma Ceia de Natal, Antes que as dores te sufoquem, De todas as paradas do mundo e Elas Falam Por Si vão estar todos por R$ 1,99! É a chance de completar sua coleção, se você ainda não tem todos, ou comprar aqueles que te interessam, se você está conhecendo meu trabalho agora. Não é necessário ter um dispositivo Kindle para ler! Você pode baixar o aplicativo Kindle no seu celular, computador ou tablet.
Como costumo fazer, vou enviar uma edição-extra e fazer um post no meu site avisando.
Desde segunda-feira passada (11 de novembro), está acontecendo o Esquenta Black Friday da Amazon. Eu não sei quanto tempo essa promoção vai durar ou quando exatamente vai começar a Black Friday pra valer, mas já vi muita coisa barata de verdade, então como sempre venho lembrá-los de usar meus links afiliados para fazer suas compras. Eu não posso enviar esse tipo de link por e-mail, mas no site e no app do Substack é tudo ok, então basta clicar em qualquer um que deixei aqui.
Li, ouvi e assisti
Comecei a ler Eu sei por que o pássaro canta na gaiola, uma autobiografia de Maya Angelou, que é minha primeira leitura para o #BingoLitNegra, o desafio para ler livros com autoria e protagonismo negro em novembro. Eu tinha vontade de ler esse livro desde que assisti ao documentário Maya Angelou: And Still I Rise, anos atrás (vi pela Netflix, mas no momento, não está disponível em nenhum streaming). Maya fala muito de sua infância num pequeno vilarejo no Sul dos Estados Unidos, onde ela e o irmão Bailey foram criados pela avó paterna enquanto o pai fazia dinheiro trabalhando em um hotel na Califórnia e a mãe vivia uma vida badalada na cidade grande.
Após o envio da última edição, terminei de ler Vampiros nunca envelhecem e li por inteiro a coletânea de contos de horror Xuxa Preta, de Alan de Sá, e o romance Enquanto o sol brilhar, de Victoria Gomes. O primeiro reúne quatro contos de horror que se passam em Feira de Santana, na Bahia, em um futuro não muito distante, e giram em torno da figura de uma mulher conhecida como Xuxa Preta, que seria responsável por incitar a violência entre as pessoas dessa comunidade. O segundo é um romance sáfico de segunda chance entre Íris, uma designer de interiores, e Alessandra, uma escritora. As duas foram amigas de infância e namoradas, e se reencontram dez anos depois de terem terminado, quando Íris descobre que Alessandra publicou um livro sobre a história que viveram.
Passei dias e dias ouvindo o 1989 Taylor’s Version, a nova versão do meu álbum favorito de Taylor Swift, que foi lançada no fim de outubro. É uma experiência incrível ouvir as músicas que eu mais gosto com uma interpretação bem mais madura do que a original. Ouvi também a playlist All out 2000s, que como o nome promete, é uma seleção de músicas que foram muito populares na primeira década do século.
Por indicação de Júnior Bueno na última edição da Cinco ou seis coisinhas, ouvi o álbum Belezas São Coisas Acesas por Dentro, de Felipe Catto, que é um tributo a Gal Costa. Achei sensacional a interpretação de Vaca Profana!
Entre os filmes que assisti, destaco a adaptação de Misery, que tem o péssimo título em Português de Louca Obsessão (1990). A atriz que faz Annie Wilkes recebeu um Oscar por esse filme, e ela brilha muito fazendo a Annie parecer doida, má e bobona em proporções difíceis de medir. Finalmente vi pela Mubi o muito comentado Estranha forma de vida (2023), o curta de faroeste gay de Almodóvar, e adorei!
Descobri que a Mubi tem no catálogo o filme Um lobisomem americano em Londres (1981), e assisti só para um dia poder ver também a continuação de 1997, que se chama Um lobisomem americano em Paris, que eu não me lembro de nada do enredo, só de sentir muito medo quando meu pai assistia na minha infância. Fui sem expectativa e o filme dos anos 80 é bem divertido. Agora me resta encontrar a sequência.
Por hoje é isso.
Um abraço,
Lethycia Dias
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