Nunca fui carnavalesca - Uma mulher que escreve - #41
Gostar de Carnaval na teoria, 20 dias sem descansar e filmes do Oscar
Por Lethycia Dias | Edição 41
Nunca fui carnavalesca - Uma mulher que escreve #41
Uma festa que não entendo
Olá para vocês! Estou escrevendo numa terça-feira de Carnaval, que descobri com surpresa, há alguns anos, que não é feriado nacional. Não sei como isso é possível num país como o Brasil, que não apenas é mundialmente conhecido por suas festas e desfiles, mas que tem a data comemorativa tão entranhada na cultura a ponto de dizermos que O ano só começa de verdade depois do Carnaval.
Não vou entrar na discussão sobre poder haver ou não Carnaval durante o segundo ano de pandemia. Já discutiram muito online sobre como é injusto o Carnaval de rua ter sido proibido em várias cidades enquanto festas privadas em clubes fechados eram permitidas. O que quero falar aqui é outra coisa.
Eu nunca entendi muito bem o Carnaval, e para ser sincera, acho que sou impedida de gostar da data por força do meio em que cresci. Uma coisa bem determinista mesmo, bem fim do século XIX. Sou quase uma personagem de O Cortiço.
Cresci ouvindo falar mal de Carnaval. Minha mãe detestava, porque, até alguns anos atrás, era a única coisa que passava nos canais de TV aberta. Três dias exibindo desfiles e apuração de notas, com pausa apenas para os telejornais - que mostravam mais imagens dos desfiles - e programas tradicionais como o Fantástico e o Domingão do Faustão. Nem novela passava! A gente tinha TV a cabo em casa, mas a minha mãe se incomodava profundamente com isso.
Meu pai também não gosta. Ele sempre criticou as pessoas que "amam carnaval" por causa dos dias de folga em escola, faculdade e trabalho. Coisa de preguiçoso, segundo ele. Igual odiar segunda-feira. Fico imaginando o que ele diria se soubesse que me tornei uma jovem adulta que desde que começou a trabalhar, odeia segunda-feira e adora ter quatro dias seguidos de folga.
Talvez tenha sido a infância ouvindo os comentários dos meus pais, repetidamente. Até alguns anos atrás, eu era uma daquelas pessoas que fazem questão de compartilhar algum meme dizendo que não pulariam carnaval, que aproveitariam o carnaval assistindo séries ou reclamando de quem pula carnaval, para mostrar o quanto são diferentonas. É, eu já fui assim. Não me orgulho disso.
Mas há algum tempo, comecei a ver o Carnaval com outros olhos. Descobri que acho os samba-enredo muito legais; que gosto muito da ideia de como as escolas de samba criam todo um enredo e uma história para contar em seus desfiles; que adoro ver, no Jornal Nacional, os momentos mais bonitos do Sambódromo; e hoje até acho que todo mundo que sai pra pular Carnaval em bloquinhos de rua, vestindo fantasias baratas, se entupindo de qualquer coisa com teor alcóolico e ficando com o corpo cheio de glitter, parece se divertir muito. E eu JURO que queria saber me divertir assim!
Mas acontece que não tenho paciência para ver os desfiles inteiros, então me contendo só com as imagens das notícias. Não sei o que é torcer por uma escola de samba, como se fosse time de futebol. No meu emprego anterior, tive um colega carioca, e vi, abismada, como ele acompanhou parte da apuração de um dos desfiles de 2020, suando, gritando, quase roendo as unhas. Não entendi a emoção.
A única vez na vida que pulei Carnaval foi com cerca de sete ou oito anos, quando a escola em que estudei decidiu fazer um "bailinho" para comemorar a data. Não sei por que eu quis participar, mas naquela época, eu participava de toda festinha de escola, e lembro que meus pais me compraram uma fantasia que incluía um top e saia de tule branco rosado, cheio de brilho. Não me lembro se aproveitei a festa, mas sei que isso foi antes de eu me tornar uma Lethycia tímida, que não sabe dançar, que tem vergonha de chamar atenção e que, se fosse convidada para uma festa - porque nunca é - ficaria parada num canto de braços cruzados vendo todo mundo se divertir.
Mas o engraçado é que eu gosto da ideia de Carnaval de rua. Do povão tomar a cidade, ser feliz, se divertir, extravasar depois de um ano inteiro trabalhando, a alegria fugaz, ofegante epidemia, da qual fala Chico Buarque numa de suas canções. Sério. Eu gosto disso! Também gosto de algumas das coisas as pessoas, hoje em dia, dizem ser boas no Carnaval. Preparar uma fantasia baseada em meme? Da hora! Beijar pessoas desconhecidas? Que delícia! Sob efeito de álcool? Melhor ainda! Mas só de pensar que - num ano hipotético em que não existisse pandemia - pra fazer isso, preciso sair de casa, pegar ônibus até o local de concentração do bloquinho (geralmente no Centro, longe de onde eu moro), ficar andando na rua debaixo de sol, sentir cheiro de cerveja e mijo, ser possivelmente assediada, correr o risco de ter meu celular roubado ou de sofrer tentativas de golpe de vendedores ambulantes e depois ainda ter que pegar ônibus de volta pra casa, já desanimo. Houve um ano em que eu realmente pesquisei quais os bloquinhos que circulariam por Goiânia. Mas pensei em tudo isso e desisti.
Então chego à conclusão de que gosto de Carnaval na teoria. Na prática, prefiro ficar em casa e minha folia é, no máximo, lendo histórias sobre Carnaval.
Li, ouvi e assisti
Apesar de a edição anterior da news ter girado em torno de um livro que li, fevereiro foi mês bastante parado no que diz respeito às minhas leituras. Passei quase o mês inteiro com dois livros que havia começado em janeiro (Quincas Borba, que ainda estou lendo, e O homem que matou Getúlio Vargas, que terminei no dia 20). Os dois foram leituras lentas, e para completar, li junto com eles 200 Dias Sem Você, um livro sobre luto, escrito em forma de diário, que também me tomou bastante tempo.
Terminei de ouvir a discografia de Milton Nascimento e, numa mudança radical, parti para a de Shakira. Não tem nenhum álbum dela que eu goste tanto quanto o El Dorado, mas gostei de conhecer melhor o Laundry Service e o Fijación Oral (os dois volumes). Mas acho um pecado qualquer música dela em inglês. É muito melhor em espanhol.
Como acontece em todo início de ano, foi tomada pela febre da Corrida do Oscar. Como em todos os anos, me iludi com a crença de que vou conseguir assistir a todos os filmes indicados, ou ao máximo deles que puder acessar, antes da noite da Cerimônia. Dessa vez estou pior do que no ano em que comecei a acompanhar a premiação, porque não entro numa sala de cinema desde o início de 2020 e porque os streamings me deixaram preguiçosa.
Mesmo assim, estou lutando contra o tempo. Até agora, assisti a 16 filmes. Ainda não tenho um favorito a Melhor Filme, mas já tenho um odiado: fiquei indignada com tantas indicações de Não olhe para cima. Eu odiei o Filme do Meteoro com todas as minhas forças e estou torcendo contra ele em TODAS as categorias. Até naquelas em que não foi indicado.
Gostaria muito que a Penélope Cruz ganhasse como melhor atriz por Mães Paralelas, mas só porque ainda não assisti a Spencer para poder comparar. Ver Kirsten Stweart, a atriz "sem expressão", indicada ao Oscar, é a prova de que os humilhados um dia são exaltados. Não gostei de A filha perdida, embora mulheres fãs de Elena Ferrante tenham adorado. Não gostei de Conhecendo os Ricardos, embora adore a Nicole Kidman. Quero que Cruella ganhe por Melhor Figurino porque as roupas desse filme são TUDO e defenderei Encanto com unhas e dentes como Melhor Animação. Eu sei da predileção ridícula da Academia por filmes da Disney e Pixar nessa categoria, mas dessa vez, estou com eles. Ah, sabem para qual música eu torço em Melhor Canção Original, né? Dos Oruguitas, óbvio!
É claro que na próxima newsletter, ou mesmo no dia da Cerimônia, minhas opiniões podem ser bem diferentes de hoje, e é claro que eu sei que elas não importam pra mais ninguém além de mim.
Escrita, o que é isso?
Estou aprendendo muito todos os sábados na oficina CEO e Moça do Cafézinho, de Tayana Alvez, mas não estou escrevendo nada. A última data preenchida no meu Diário de Escrita de fevereiro é o dia 16. Foram apenas 15 palavras nesse dia, e desde então, eu nem abro o arquivo do meu conto novo.
Tem uma parada sinistra acontecendo no meu trabalho, estou estressada, trabalhando muito mais do deveria e sentindo que faço um sacrifício a cada dia que vou trabalhar. Por causa disso, já faz 20 dias que não descanso. É diferente de ter insônia, porque dessa vez meu corpo decidiu inovar: eu durmo a noite toda, mas continuo cansada. Há noites em que deito às 22h, levanto às 6h e é como se nem tivesse dormido. Nos fins de semana, que geralmente eram quando eu recarregava as energias, continuo meio zumbi: de tarde, eu cochilo no sofá várias vezes enquanto tento assistir meus filmes.
E eu sei que é isso que está atrapalhando a minha escrita. Cansei de acordar cedo para perder tempo lendo o Twitter e remoendo situações estressantes do dia anterior, então estou passando mais tempo na cama, o que não dá resultado nenhum.
A coisa só vai se resolver quando eu não trabalhar mais naquele lugar, e espero, sinceramente, que meu status no mercado de trabalho já tenha mudado na próxima edição. Até lá, fiquem com as recomendações.
Recomendações
O novo romance da minha amiga Nina Spim está sendo lançado hoje. À Luz do Dia é um romance com protagonismo lésbico sobre Sofia e Teodora, duas garotas de mundos opostos que têm primeiras impressões erradas uma sobre a outra, mas que ao descobrir coisas em comum, entram em dúvida se o que desejam é romance ou amizade. Adquira o seu aqui.
Um episódio recente do podcast O Assunto, do G1, celebra os 50 anos do álbum Clube da Esquina, e explica sua importância para a música brasileira e a obra de Milton Nascimento. É uma boa dica pra quem gostou da edição n°40! Ouça aqui.
O financiamento coletivo Afrosáficas, da Se Liga Editorial, entrou em seus últimos 30 dias de campanha e ainda precisa de apoios! O projeto publicará 3 livros escritos por Amanda Condasi, Lívia Ferreira e Lyli Lua, todos com protagonismo negro e sáfico. Agora, é possível apoiar cada um dos livros individualmente! Confira aqui.
Por hoje, é isso.
Um abraço,
Lethycia