Recaídas de uma ex-noveleira - Uma mulher que escreve #44
Como adaptações audiovisuais me fazem imaginar personagens de livros, o dilema de assistir novela ou ler antes de dormir e como é importante ter apoio.
Por Lethycia Dias | Edição 44
Recaídas de uma ex-noveleira - Uma mulher que escreve #44
Olá, pessoas que leem! O tempo passou voando desde a última edição! Hoje teremos três assuntos principais, sendo dois deles interligados:
Adaptações ficam no nosso imaginário;
Minha vida de noveleira;
Todo apoio é importante.
As últimas duas semanas, pra mim, não foram muito diferentes das anteriores, exceto por algumas novidades: meu dedo do pé parou de doer; fui capaz de calçar uma sandália com fivela e estou na expectativa de poder usar tênis quando precisar; estou correndo menos com o trabalho novo e já lidando muito bem com ele.
Adaptações fazem tudo!
Outro dia me peguei pensando no poder que as adaptações de livros têm na nossa mente. Pra começar por popularizar personagens e histórias através do tempo. Um exemplo disso é o fato de Sherlock Holmes ser mais conhecido do que o próprio autor de suas histórias - a ponto de pessoas acharem que ele existiu de verdade. Personagens como Drácula e o monstro de Frankenstein são tão presentes na cultura pop que são conhecidos até mesmo por quem nunca leu os livros. Eu mesma tenho minha lembrança mais forte dos dois por causa de um filme em que fazem crossover - embora os livros não compartilhem muita coisa em comum, além do gênero.
Assisti a esse filme que se orgulha da própria breguice repetidas vezes quando ainda não tinha senso crítico pra isso, e hoje eu continuo assistindo por causa da belíssima trama - se vocês me entendem.
Mas estou aqui para falar de novelas.
Quando li Orgulho e Preconceito numa versão não adptada, eu já tinha assistido uma vez ao filme de 2005 e a Globo já tinha exibido também a novela Orgulho e Paixão (2018), livremente inspirada não só nessa mas também em outras obras de Jane Austen. Eu não acompanhei a novela, mas assisti por tabela a alguns pedaços de episódios, e cheguei a ver capítulos inteiros quando se espalhou pelo Twitter a fofoca de que dois homens se beijariam numa novela de época. Eu amava Luccino e Otávio!
Por causa da novela e do filme, quando li o livro, eu imaginava as irmãs e os pais da Lizzie Benneth com a cara dos atores e atrizes da novela. E imaginava Elizabeth e Darcy como Keira Knightley e Matthew Macfadyen, que interpretam o casal no filme.
O que nos leva a:
Ex-noveleira tem recaída
Estava lembrando disso outro dia por causa da minha releitura de Gabriela, cravo e canela. É que já fui muito noveleira, e anos atrás, houve uma época em que eu assistia todas as novelas da noite na Globo. Começava com a das 18h e terminava na das 23h. E nessa época, assisti ao remake de Gabriela (2012), que teve Juliana Paes como protagonista.
Acho que a novela já estava um pouco adiantada quando encontrei o livro na biblioteca do colégio, porque me lembro de ter lido quando estava no segundo ano, em 2013, e de ter reconhecido num dos poemas que abrem as partes do livro a letra da música Alegre Menina, que no remake da novela era interpretada por Djavan. Infelizmente, não achei a música no Spotify para compartilhar com vocês, mas fiquem com essa interpretação de Dori Caymmi.
Vocês já devem imaginar o meu motivo pra estar falando disso: enquanto leio novamente a história de Jorge Amado, eu só consigo imaginar os personagens como os atores e atrizes da novela! Com alguns deles é fácil, porque realmente existe semelhança física com as descrições ofertadas no livro. É o caso de Nacib e de vários dos personagens secundários, como o detinsta Osmundo, a artista Anabela, a neta de Ramiro Bastos, Gerusa, e o menino de recados Tuísca. Mas faço a associação até nos casos em que não há muita ou mesmo nenhuma semelhança física, ou até quando o livro não fornece descrições dos personagens. É o caso de Dona Sinhazinha, que eu só vejo mentalmente com a cara de Maitê Proença; de seu marido Coronel Jesuíno, que pra mim é José Wilker todinho; Tonico Bastos, que pra mim não pode ter outra cara senão a de Marcelo Serrado; Mundinho Falcão, que é o próprio Mateus Solano; ou Glória, que na minha imaginação é Suzana Pires, embora no livro seja descrita como "mulata"; e a própria Gabriela, que também é mulata no livro, mas na minha cabeça é Juliana Paes. Se você não assistiu ou não se lembra da novela, recomendo que dê uma conferida no elenco nessa página do Gshow.
Hoje eu já não sou tão noveleira assim. Fui parando de assistir novela aos poucos com a estreia de Império, que eu lembro de ter achado que tinha uma "vibe" estranha. Achei a mesma coisa da próxima das 21h, A regra do jogo. Também não vi Velho Chico, nem A lei do amor, nem A força do querer, O segundo sol, A dona do pedaço ou Um lugar ao sol. Confesso que sequer me lembrava dos títulos de algumas dessas e tive que fazer pesquisa pra citar todas elas. Mas como minha mãe parmaneceu noveleira por todo esse tempo, é claro que eu vi episódios ou cenas marcantes de algumas delas: adivinhei que Carol Duarte interpretava uma pessoa trans em A força do querer com uma cena sem contexto; adorava a Bibi Perigosa mostrando que mandava na favela; e antes que a personagem de Paolla Oliveira experimentasse o bolo da Maria da Paz naquele concurso, eu pensei: será que ela vai lembrar da infância por causa do bolo?
Tive uma recaída forte com O outro lado do paraíso, a novela da mina de esmeraldas, porque foi a primeira vez em muito tempo que uma chamada de novela me interessou. Dessa eu não perdia um capítulo. Também fui espectadora fiel de Bom Sucesso só porque os ricos da novela eram donos de uma editora. Eu me divertia vendo as bizarrices que aconteciam em relação a escritores e publicações, que não eram nada fiéis à realidade do mercado editorial brasileiro. E porque novela das 19h passa na hora da janta e eu gosto de comer assistindo TV, acompanhei toda a reexibição de Totalmente Demais durante a pandemia, apesar de detestar a Marina Ruy Barbosa.
Hoje, já não consigo acompanhar tão bem. Ao longo dos últimos anos, troquei as novelas e o jornal na hora da janta por episódios de séries na Netflix, e transformei o horário nobre da TV no meu horário de leitura. Quando o Jornal Nacional está acabando e a novela das 21h, começando, eu estou no meu quarto deitada com um livro nas mãos e o celular tocando música no modo aleatório do Spotify.
Quando as chamadas de Pantanal começaram a ser exibidas, eu fiquei tentada, porque a versão antiga dessa novela está no rol de Novelas Antigas Que Foram Boas de Verdade, segundo minha mãe, minha avó e minhas tias. Na minha imaginação, está no mesmo patamar de clássicos da teledramaturgia brasileira, onde meu pai coloca Vale Tudo, Roque Santeiro e outras tramas icônicas da época que eu ainda não tinha nascido. Pra mim, é como pensar nos clássicos de Hollywood, sabe?
Eu queria muito assistir, mas uma coisa valiosa pra mim estava em jogo. Já tinha passado semanas pensando em como conciliar as duas coisas, mas ver os episódios pelo Globoplay não é tão tentador como acompanhar seriados estrangeiros e não havia outro momento do dia para o qual eu pudesse transferir meu horário de leitura. No dia do primeiro capítulo, estava da frente da TV com o controle na mão, ansiosa, e ainda sem saber o que fazer pra ver a novela e continuar lendo todo dia. No segundo capítulo, eu já tinha chegado à conclusão de que aquela trama não valia meu horário de leitura. E no terceiro dia, eu estava lá, de novo, assistindo. No dia seguinte, eu desliguei a TV depois de ver o que me interessava no jornal, tomei o meu banho, fui pro quarto e li até ficar com sono como nunca deveria ter deixado de fazer.
Mas como meu interesse na novela não morreu, ainda estou acompanhando a distância pelo Twitter, então continuo por dentro de tudo que acontece, mesmo com a TV desligada.
Mensagens em garrafas
Faz algum tempo que eu ando desiludida com redes sociais e com a necessidade de estar presente nelas para divulgar meus livros. Esse assunto já foi tema de uma edição anterior da news e não deve existir ninguém que trabalha com internet e que não fica frustrado ou irritado de vez em quando com a falta de entrega de seus conteúdos para pessoas que escolheram acompanhar esses conteúdos.
Outro dia Larissa Siriani, uma escritora que eu acompanho, lançou no Instagram uma caixinha de perguntas sobre marketing de escritores. Quando vi o story dela, eu estava chateada com alguma coisa, então enviei: "Pra quê postar coisas que quase ninguém vai ver?, eu me pergunto às vezes". A resposta de Larissa foi um tapa na cara, porque me lembrou de que, por mais que os algoritmos de redes sociais tornem o nosso trabalho online frustrante, o que importa nessas horas é nos lembrarmos das pessoas para quem o nosso trabalho chega. Porque, se você não postar nada, aí é que ninguém vai ver mesmo.
Acontece que outro dia, essa lição foi esfregada na minha cara. Sabem o pedido que deixei na última news para que vocês me sugerissem como convidada na Flipop? Ele quase não entrou naquela edição. Eram 17h50 do dia 06 de abrl, quarta-feira, e eu estava revisando a edição 43, quando entrei rapidinho no Twitter e vi que a Editora Seguinte tinha postado o link do formulário, incentivando o envio de sugestões. Eu só pensei "Vai que cola, né?", aí baixei a imagem, copiei o link e acrescentei aquele pedido na news, que estava programada para envio automático às 18h.
O tweet da Seguinte logo ficou cheio de comentários de pessoas mencionando seus autores favoritos, várias pessoas começaram a retweetar pedindo que seus leitores as indicassem, e por aí vai. E eu me lembrei que no ano passado tinha havido um formulário igualzinho para a Flipop 2021 e eu indiquei várias pessoas de quem eu gosto, mas não indiquei a mim mesma e nem pedi que outras pessoas me indicassem. Só a indicação no formulário não garante que a pessoa seja convidada para o evento, mas não ter tentado quer dizer que eu nem acreditava que podia ser chamada, sabe? E quando vi como algumas pessoas que sigo estavam empenhadas em sugerir nomes de quem normalmente não aparece em grandes eventos - pessoas negras, LGBT, periféricas, de fora do Eixo Rio-São Paulo, pessoas que não são publicadas por (grandes) editoras - pensei: eu também deveria tentar.
Então, na semana passada, fiz um post no Instagram e no Twitter pedindo que meus seguidores abrissem o formulário da Seguinte e sugerissem meu nome. E fiquei muito surpresa com as respostas que tive. Em questão de minutos, meu post no Instagram já tinha comentários de pessoas dizendo que tinham acabado de me indicar e que estavam torcendo por mim. Até antigos colegas de faculdade, com quem eu não me encontrava há um tempão, estavam apoiando e compartilhando, e pedindo que seus seguidores também ajudassem. E pela primeira vez em muito tempo, eu não estava olhando as interações de um post meu pensando no alcance pequeno que ele teve, porque já estava feliz com as pessoas que consegui alcançar.
Fiquei até um pouco emocionada com o apoio que recebi, porque muitas vezes eu acho que ninguém liga para o que eu posto nas redes sociais. E ali estavam algumas pessoas que gostam de mim e acreditam no que eu faço. Vocês não tem ideia de como é importante perceber isso! É como o Neil Gaiman disse em Faça Boa Arte, e eu já citei em outra edição da news:
(...) a vida no mundo das artes, às vezes é como estar em uma ilha deserta espalhando mensagens em garrafas e esperando que alguém ache uma delas, abra e leia, e que ponha de volta na garrafa algo para você: um elogio, uma comissão, dinheiro, amor. E é preciso saber que para cada garrafa que porventura retorne, você terá produzido uma centena de outras.
Na semana passada, uma garrafa voltou pra mim. O que encontrei dentro dela foi muito bonito. Obrigada!
Li e assisti
Criei um esquema de Rodízio de Serviços de Streaming para conseguir assistir ao máximo possível de conteúdo. Isso é porque estou assinando Netflix, Prime Vídeo, Globoplay, Dinsey+, Star+ e com acesso gratuito de 30 dias ao Mubi. Eu quero assistir várias coisas em lugares diferentes e não quero perder o acesso a nenhuma delas, então criei uma regra de alternância entre todos os serviços que estou assinando. Também é bom para sair um pouco do "padrão Netflix", que sempre foi o serviço que eu mais utilizei e cujos filmes originais eu costumo achar ruins.
Em duas semanas e meia de rodízio, eu já consegui assistir um clássico moderno brasileiro, que é Carandiru, três filmes estrangeiros esquisitos cujo idioma original não era o inglês, o boicotado Marighella e a animação O menino e o mundo, que eu pensei que me deixaria feliz mas me deu depressão.
Ontem assisti Medida Provisória e achei muito bom! É uma distopia em que o Brasil decide expulsar pessoas negras de volta para o Continente Africano, e acompanha pessoas que tentam resistir a isso. Foi minha primeira ida ao cinema em de dois anos e valeu muito a pena! O filme está sendo exibido em pouquíssimas salas de cinema no Brasil, mas se ainda estiver disponível na sua cidade, não deixe de ver!
(Consegui calçar tênis pra sair de casa, pois meu dedo machucado não está mais doendo. Só ficou com um calombo que gelo nenhum consegue fazer diminuir.)
Continuo relendo Gabriela, cravo e canela. Abandonei a releitura de A cidade as serras porque estava chato demais, e porque, se o meu objetivo relendo um livro é saber se ainda gosto dele, não precisei chegar no final desse pra ter a resposta. Terminei de ler Reescrevendo sonhos e li Heartstopper. Se você não é ligado no nicho jovens leitores de conteúdo LGBT+ no Twitter, talvez não saiba que na sexta-feira vai estrear na Netflix uma série que adapta Heartstopper, mas a minha timeline está surtando com isso há semanas.
É uma história sobre dois garotos que estudam em um colégio para meninos na Inglaterra e que se conhecem, começam uma amizade e se apaixonam. Um deles andou sofrendo bullying por ser gay, enquanto o outro está se entendendo bissexual. E é PURA FOFURA! Em poucas páginas, eu já estava morrendo de amor pelos dois, e na noite em que comecei a ler, fiquei com um sorriso no rosto o tempo inteiro.
Heartstopper tem três continuações, também no formato HQ. Duas já foram publicadas no Brasil e a última está em pré-venda. Você pode aquirir qualquer um deles clicando aqui ou saber mais sobre o que achei acessando a resenha no meu Instagram.
Recomendações
Ainda estou vendendo livros usados. Minha loja na Shopee se chama Desapegos da Lethycia e contém livros clássicos, poesia contemporânea, contos, crônicas, não ficção, young adult, romance policial, fantasia, suspense e não ficção. Conheça e compre aqui.
A Amazon está com muitas promoções de livros hoje! Separei alguns destaques de e-books em forma de thread no Twitter, que você pode conferir aqui. Também pode ver as ofertas gerais clicando aqui. Se for comprar por lá, lembre-se de usar os links que eu deixo aqui na news ou nas minhas redes sociais. A partir deles, qualquer coisa adquirida na mesma guia de navegador, ainda que seja em outra página do site, gera uma comissão pra mim e não custa nada a mais pra você! Assim, você me ajuda a complementar minha renda!
Eu fico por aqui.
Um abraço,
Lethycia