Criando rituais - Uma mulher que escreve #76
Por que sumi por mais de um mês e fiz de interessante enquanto isso.
Olá, pessoas que leem!
Detesto começar esta edição com um “Desculpa ter sumido...” – porém, já faz um mês desde que enviei a última news. De lá até aqui, esta deveria ser a quarta edição em sequência, seguindo a periodicidade quinzenal com a qual vocês já estão acostumados. E como esse é um espaço em que tento ser transparente, eu não saberia como voltar sem um tipo de aviso.
Para tornar a experiência mais interessante, resolvi transformar o meu “Desculpa o sumiço” em uma parte do conteúdo de hoje.
Criando rituais
Não me lembro quando foi que me dei conta de que ter uma rotina era algo importante pra mim. Acho que deve ter sido no início da minha vida profissional, quando começou a parecer horrível pra mim a ideia de empregos muito flexíveis, em que tudo pode acontecer e é necessário saber como lidar com cada nova situação todos os dias.
Num alguns dos empregos que tive, eu me sentia em um verdadeiro hospício, sempre sendo pega de surpresa por algo novo, por mais que tentasse me preparar, e me pegava sonhando com algo que fosse exatamente igual todos os dias. Que mal haveria se a coisa igual fosse algo que eu não detestasse?
Talvez por isso mesmo eu tenha escolhido buscar pelo tipo de trabalho que as pessoas costumam criticar por ser “sempre a mesma coisa”. A mesmice que alguns abominam acabou se tornando meu sonho.
Mas, em algum momento nos últimos anos, comecei a perceber que eu era assim não apenas com trabalho, mas também em casa, com os livros que lia, com os filmes e séries que escolhia assistir. Enquanto ainda produzia conteúdo sobre os livros de outras pessoas no meu Instagram, várias vezes eu tive dificuldade de explicar às pessoas como eu me organizava para ler três livros ao mesmo tempo (às vezes quatro, cinco) e como escolhia qual livro seria o próximo depois de acabar qualquer uma das leituras da vez. Ninguém entendia, mas pra mim, funcionava.
Também foi assim quando eu percebi que estava assinando vários serviços de streaming e consumindo só um com frequência enquanto deixava os outros de lado, então a solução que criei foi um rodízio. Literal. Num dia Netflix, no outro Globoplay, depois Star+, e assim por diante. Alternando filmes e séries, com uma ordem para os filmes e outra para as séries, porque, se não fosse assim, eu ficaria vendo só o que me chama atenção na hora em uma das minhas assinaturas e perdendo todo o conteúdo interessante das outras, deixando que corresse o risco de ser removido antes que eu decidisse assistir.
A metáfora do figo, se Esther Greenwood fizesse uma escolha.
Algumas pessoas reagem com estranheza quando eu falo disso, mas não ligo. Ficar sem os meus sistemas dá trabalho demais para eu me importar com opiniões sobre eles.
E durante este ano, quando decidi sair de um emprego fodido para passar alguns meses estudando para concursos públicos enquanto esperava pelos resultados das provas que havia feito antes, eu entendi ainda mais o quanto ter uma rotina era importante pra mim.
Meus dias se tornaram uma sequência de ações com hora marcada e funcionavam muito bem quando eu conseguia seguir a lista que só existia na minha cabeça. Havia o horário de acordar e o de escrever; o de iniciar meu trabalho online – porque eu nunca deixei de trabalhar, de fato – e o de fazer meus exercícios de inglês; o horário de almoçar e o de ler e de responder questões sobre Português, Raciocínio Lógico, Direito Constitucional e Administrativo; o horário de assistir a um filme ou série e o de ler.
Eu sei o que você deve estar pensando: que horror!
Pra mim, funcionava. Só havia lógica nos meus dias se eu soubesse exatamente o que iria fazer a qualquer momento, e se pudesse realizar as mesmas atividades de forma contínua, progredindo um pouquinho a cada dia...
Se um compromisso me obrigasse a sair e fazer qualquer coisa fora de casa, interrompendo ou inviabilizando a sequência, isso sim era horrível pra mim.
E é irônico pensar que o único compromisso pelo qual eu ansiava nos últimos meses – uma coisa esperada, portanto, eu só não sabia para quando – foi o que me deixou sem escrever aqui por semanas.
Sim, meu nome saiu no Diário Oficial não digo de onde. Gastei tanto em impressões e cópias de documentos que deixei algumas pessoas assustadas. Perguntei os preços de exames médicos em tantos lugares que precisei de uma planilha para fazer comparação. Meu WhatsApp deve ter mais conversas iniciadas com clínicas e hospitais do que você com seus contatinhos.
E pouco mais de um mês depois, aqui estou, tentando criar um novo ritual para ordenar meus dias, inclusive os momentos em que poderei escrever aqui.
Meu ritual anterior está mais cancelado do que qualquer influencer que tenha dito alguma merda muito grande na internet, e melhor, de forma definitiva, porque eu nunca mais quero ter o status de desempregada.
No momento, minha preocupação é descobrir se o trajeto curto da minha casa até o terminal de ônibus mais próximo é percorrido de forma mais rápida pelo ônibus da linha x ou da linha y, ou se a diferença está na sorte; se vale mais a pena levar um livro para ler no caminho quando conseguir sentar ou ter sempre um podcast baixado pra me distrair; e, acima de tudo, descobrir onde é o melhor lugar para aproveitar a segunda metade do meu horário de almoço escrevendo meu romance pelo Google Docs no celular.
As últimas
Eu comemorei mesmo o fato de ter chegado ao quinto capítulo do meu romance quando enviei a última edição? Segura meu poodle! Semanas depois, já estou no décimo terceiro! A primeira crise da história já foi iniciada e o surto que uma das minhas protagonistas vai ter em breve – que vai resultar num reencontro e depois numa briga – já está devidamente plantado.
Eu me sinto o narrador da abertura de Meninas Superpoderosas gritando: Medos! Inseguranças! E tudo que houver de paranoia! Esses são os ingredientes necessários para fazer um casal ter uma noite daquelas e brigar no dia seguinte!
Vai ser divertido. Pra mim, é claro. Para o público, eu recomendo preparar um lencinho.
No dia 4 deste mês, o perfil Divulga Nacional organizou o Exploda Seu Kindle, a versão brasileira de um evento anual da gringa, em que muitos autores deixam seus livros baratos ou gratuitos por um dia. Com o apoio do Maratona App, o DN reuniu as capas e links de acesso de centenas de e-books dos autores e editoras que decidiram participar, incluindo os meus, e gerou bafafá suficiente nas redes para que o evento fosse comentado no jornal O Globo.
Gigante! Isso foi gigante!
Setembro foi um mês péssimo nos relatórios de vendas e leituras dos meus livros, então, quando me inscrevi no Exploda Seu Kindle, eu não estava esperando lá muita coisa. Para ser sincera, não fazia a menor ideia de como meus livros poderiam se destacar em meio a tantas outras capas e títulos bonitos e interessantes, então, fiz minha inscrição pensando: se eu vender uma unidade de cada livro, já vou ficar feliz. Com De todas as paradas do mundo, eu e minhas colegas decidimos por votação deixar gratuito, então, eu sabia que esse livro teria muitos pedidos...
Mas nada teria me preparado para descobrir que, em 24 horas, De todas as paradas do mundo teve mais de 6 mil downloads, enquanto Mesmo que eu vá embora, Como Salvar uma Ceia de Natal, Antes que as dores te sufoquem e Elas Falam Por Si, os meus livros solo que deixei a R$ 1,99, venderam juntos 92 unidades!
Eu custei a acreditar. Sei que algumas pessoas que acompanham esta newsletter também têm livros publicados de forma independente na Amazon e têm uma noção de como esses números são surreais. Mas sei que muitos de vocês são leitores e ninguém tem obrigação de saber como funciona o trabalho dos outros, então vou explicar o que me deixou tão passada:
Vender 90 e-books num dia só não é normal para boa parte das pessoas que publicam pelo Kindle Direct Publishing (KDP) da Amazon. Algumas conseguem números parecidos com esse quando lançam livros novos; às vezes num dia só, outras vezes durante o período inteiro de uma pré-venda. Mas, conforme o tempo passa, é normal as vendas de um livro irem diminuindo e se tornando mais ocasionais. Então é bem incomum conseguir vender um total de 90 unidades de quatro livros com mais de um ano de publicação em um dia só.
Até a quantidade de pedidos que De todas as paradas do mundo teve foi alta para um livro gratuito.
Tudo isso deixou bem claro pra mim que o Exploda Seu Kindle furou a bolha do booktwitter, bookstagram e booktok, atingindo pessoas que não têm o hábito de ler, que não têm o hábito de ler e-books, ou que sequer sabiam que existem livros que não são publicados por editoras e que são vendidos numa loja online.
É verdade que muita gente que baixa um e-book só porque estava gratuito acaba nem lendo por um ou por outro motivo, às vezes a pessoa só muda de ideia e decide ler outra coisa, ou esquece que tem acesso àquele arquivo. Mas eu espero, de verdade, que o fato de o evento ter rompido a bolha signifique algo duradouro. Que a próxima edição seja tão grande quanto essa, ou que as pessoas que estão lendo os livros que baixaram procurem por outros parecidos e comecem a consumir mais literatura independente, ou que, por algum tempo, o algoritmo da Amazon recomende com mais frequência os livros que foram muito baixados no evento.
Eu senti a mudança nos meus relatórios. Espero que outros autores também estejam sentindo.
Li, ouvi e assisti
Assim como na última vez que fiquei um tempo sem enviar novas edições, é impossível listar tudo o que consumi desde agosto, então vou citar abaixo o que estou lendo no momento e o que mais me chamou atenção em outras mídias.
Eu amo fazer seleções temáticas, então, estou lendo só livros de terror, mistério e afins. Minhas leituras da vez são Medo imortal, uma coletânea de contos de autores da Academia Brasileira de Letras que flertam com o horror, o terror, a fantasia e o insólito; Misery: Louca obsessão, a história do escritor que é resgatado de um acidente por sua detestável fã número 1; e Vampiros nunca envelhecem, uma coletânea de contos com vampiros que inclui a história que inspirou a série First Kill da Netflix.
Em matéria de podcast, ouvi a série Crime e Castigo, da Rádio Novello, que discute e reflete sobre o nosso sistema penal e sobre como compreendemos, enquanto sociedade, as ideias de justiça e punição. Fiquei pensando bastante nisso porque estava acompanhando Investigação Criminal, uma série documental de true crime brasileira, e percebi que em algum momento a partir da segunda temporada, os depoimentos e até as legendas informativas no fim de cada episódio tendiam a repetir achismos sobre como alguns autores de crimes célebres teriam recebido penas “brandas”, e eu não queria concordar com aquilo. Até larguei a série, de tão irritada que fiquei quando notei o padrão.
Outro podcast que estou ouvindo com uma avidez surpreendente é Collor vs. Collor, um grande Casos de Família com briga de irmãos que resulta nas denúncias de corrupção que derrubaram um presidente. Uma fofoca extremamente bem contada que torna os meus trajetos de ônibus muito mais emocionantes.
No fim de semana, assisti à série A queda da casa da Usher, que adapta vários contos e poemas de Edgar Allan Poe na forma de histórias sobre a ascensão e queda de uma família de bilionários, cada um mais babaca do que os outros. Gostei muito de como fizeram isso, de ir percebendo as referências que vão desde os nomes dos personagens até os enredos dos episódios. Deu até vontade de reler minha edição de Contos de imaginação e mistério. Minha obsessão por Poe está vivíssima!
Entre os filmes que assisti, recomendo muito Memórias do cárcere (Globoplay) e a versão mais recente de Suspiria (Prime Video), que é uma das coisas mais bizarras que já vi.
Hoje eu fico por aqui.
Um abraço,
Lethycia Dias
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