E vamos com orgulho! - Uma mulher que escreve #71
Minha primeira Parada LGBT, dois dos meus contos sáficos em oferta e uma carta para pessoas LGBTQIAP+ que ainda precisam se esconder
Olá, pessoas que leem!
Feliz Dia do Orgulho para quem, assim como eu, está fora da cis-heternormatividade. A edição de hoje não poderia tratar sobre outro assunto…
Dois anos atrás, contei na edição nº 24 de Uma mulher que escreve como me assumi para a minha mãe, numa ligação de quase duas horas, e como o meu período de quase três anos de armário me fez mal e afetou minha carreira como escritora e meu comportamento online. Tudo ficou bem em casa e eu me senti muito mais confortável depois disso. Até deixei de postar coisas sobre ser bi no melhores amigos do Instagram. Pintei minha bandeira na cara pra começar a divulgação do livro novo.
Dessa vez, estou tendo um Mês do Orgulho ainda mais especial do que aquele.
Nesse domingo (25), fui à minha primeira Parada LGBT, e mesmo passando pouco tempo no evento, fiquei muito feliz com isso.
Envolvida com todos os assuntos ligados a De todas as paradas do mundo, uma antologia com histórias que se passam na Parada de São Paulo, eu estava desde abril sonhando em ir à Parada de Goiânia, mas a responsabilidade entrou no meu caminho para me fazer pensar mais uma vez que eu não poderia me divertir enquanto não “resolvesse” a minha vida profissional e financeira: a Univerdade Federal de Goiás (UFG), onde estudei, anunciou um concurso público com vagas para uma das áreas que eu tenho como alvo, com prova no dia 25 de junho. O mesmo dia da Parada.
Felizmente, tive a sorte de ter meu local de prova definido para o Setor Universitário, bem próximo do centro, a 15 minutos a pé da Praça Cívica, onde aconteceria a concentração da Parada a partir de meio dia. Para a realização do concurso, os portões abririam às 13h e fechariam as 14h. Saindo de casa um pouco mais cedo, eu poderia participar da Parada. Ainda que só no início. Depois, daria o melhor de mim na prova.
E foi o que fiz.
Permaneci na Praça Cívica das 12h às 13h15, e tive tempo suficiente para cumprimentar amigos e conhecidos, ver figuras públicas, sentir um pouco do clima da festa que se iniciaria mais tarde, ouvir um pouco da música que os trios já tocavam, conhecer pessoas e tirar fotos que vão me lembrar pra sempre do quanto eu quis viver esse dia.
A programação era de discursos e apresentações durante a primeira parte do evento, e a partir das 16h, a passeata deveria começar, descendo a Avenida Araguaia, atravessando a Avenida Paranaíba e subido a Avenida Tocantins de volta à Praça Cívica. Depois, haveria shows até de noite e até um after no Bosque dos Buritis, ali perto.
Quando saí da prova, ainda dava tempo de voltar para o centro e tentar encontrar a galera nesse circuito, e se eu tivesse mais energia pra farra, poderia ter ficado até mais tarde. Mas já estava meio cansada porque não tinha dormido bem na noite anterior, e pra falar a verdade, eu gosto de voltar pra casa cedo. Sabendo que depois da passeata, o Eixo Anhanguera - linha obrigatória da minha volta pra casa - estaria lotado, e a rodovia por onde preciso passar, ainda mais movimentada do que o normal por causa da Romaria de Trindade, a cidade vizinha, achei melhor ir embora logo.
Mesmo assim, meu ônibus encontrou com a Parada no cruzamento da Avenida Anhanguera com a Araguaia, e tivemos que esperar o desfile do “povo animado” ir embora. Fiquei em pé olhando tudo pela janela do ônibus, sorrindo feito boba. Por mais estranho que pareça, não me senti triste por não estar lá. Fiquei desejando que aquelas pessoas estivessem muito felizes, porque eu estava feliz por elas. A foto abaixo representa esse momento, e pra mim, é a mais bonita que tirei no dia.
Estou feliz com o que vi. Quem sabe na próxima edição eu fique por mais tempo. Quem sabe algum dia vá de casalzinho, como as personagens de alguns dos contos em De todas as paradas do mundo. Quem sabe algum dia participe da Parada de São Paulo, que é um sonho. Por enquanto, estou satisfeita.
Eu sei que várias pessoas da comunidade LGBTQIAP+ me acompanham aqui, e imagino que esse texto pode também alcançar pessoas que, assim como eu alguns anos atrás, ainda não podem falar sobre quem são. Então quero falar diretamente com essas pessoas. Abaixo, reproduzo uma carta que escrevi em 2021, depois de ter me assumido para minha mãe. O texto foi originalmente publicado no Medium.
Para você que se esconde
Eu não sei o que o mês do Orgulho LGBTQIAP+ significa para você.
Nos últimos anos, ele me despertou sentimentos ambíguos.
Alegria ao ver na internet fotos de casais homoafetivos; felicidade ao ver amigos e conhecidos contando suas histórias, falando de seus afetos e relacionamentos; celebração ao ver a bandeira multicolorida espalhada por vários lugares, on-line ou não.
E, ao mesmo tempo, uma mistura de medo, vergonha e solidão. O primeiro, por achar que se fosse flagrada compartilhando demais esse conteúdo colorido na minha timeline, alguém iria desconfiar. Vergonha e solidão por sentir que perdia alguma coisa em não participar daquela celebração, em não postar uma foto abraçada à minha bandeira, em não ter uma história para contar sobre um relacionamento feliz com uma pessoa do mesmo gênero que eu, em não poder falar sobre como esse mês, e o dia 28, em especial, era importante para mim.
Parte de mim vibrava com cada pessoa, conhecida ou não, que se recusava a esconder seus afetos, seus trejeitos, suas vontades de se vestir, falar, agir, comportar e amar. E outra parte de mim desejava desesperadamente ser uma delas, com toda aquela coragem e vontade de existir em um mundo onde muitos de nós são desprezados, ofendidos, agredidos e mortos por ódio.
Não é fácil ser uma pessoa fora da norma e com medo. Não foi, para mim, até muito pouco tempo atrás.
Em 2021, meu mês de junho começou com aquele clima de celebração entre meus conhecidos on-line. As indicações de livros e filmes. As correntes de fotos de casal e imagens de bandeiras das identidades contidas na nossa sigla. Participei daquelas que eu podia numa rede social em que tenho a certeza de não ser seguida por nenhum parente. Logo em seguida, veio o medo. E com ele, aquele sentimento de exclusão, de nulidade, de estar o tempo inteiro vivendo uma mentira. Numa rede social, uma pessoa livre para se oferecer para beijar (após o fim da pandemia) pessoas de todos os gêneros; na outra, uma leitora tímida, pensando em mais uma forma de encaixar vivências LGBTQIAP+ na literatura para poder fazer um post orgulhoso sem que ninguém perceba. Assim como nos anos anteriores. Na vida offline, uma pergunta: quando eu seria como os amigos que admirava por parecerem tão livres?
Em questão de alguns dias, os sentimentos ruins foram embora. O nó na garganta, o medo de conversas íntimas e perguntas diretas chegaram ao fim. Escolhi falar com duas das pessoas com quem realmente me importava que soubessem sobre minha orientação sexual. Nada mudou para elas. Ainda sou filha. Ainda sou irmã. Ainda sou amada e motivo de orgulho para minha mãe e irmão. E tudo mudou para mim, porque foi um peso enorme tirado das minhas costas.
Desde então o mês do Orgulho parece diferente. As cores que tive tanto medo de usar até mesmo em um par de meias parecem bem mais bonitas. As músicas, históricas ou recentes, que celebram nossas alegrias, parecem mais importantes. Me sinto mais motivada a escrever minha história sobre duas meninas se amando, porque tenho certeza de que outras garotas precisam dela.
Eu não sei como é o mês do Orgulho para você. Não sei se você passa noites sem dormir pensando em como a sua vida e suas relações podem mudar. Não sei se você teme ter que deixar de frequentar alguns lugares, deixar de falar com algumas pessoas. Não sei se você teme ouvir palavras que doem. Não sei se você teme sentir coisas que doem fisicamente. Não sei se você ainda está tentando entender o que acontece aí dentro. Não sei se você está tentando deixar de sentir vergonha, de se sentir uma pessoa errada, quebrada ou suja. Você não é.
Nunca gostei da ideia do armário, e sinceramente, não sei a sua origem. Eu sempre preferi a expressão se esconder, porque foi o que eu fiz durante algum tempo. Eu recuei. Deixei de fazer posts nas redes sociais sobre como era necessário respeitar pessoas LGBT, porque não podia mais falar que “apenas apoiava a causa”. Deixei de corrigir falas preconceituosas das pessoas ao meu redor. Passei a assistir filmes fechada no quarto como uma adolescente consumindo conteúdo adulto escondida dos pais. Enquanto descobria partes de mim até então encobertas pela norma, fazia o possível para disfarçá-las nos meus gestos e falas. Eu me escondi até não poder mais.
É que o esconderijo, ou o armário, muitas vezes são mencionados como lugares sufocantes de onde as pessoas desejam sair. Mas às vezes pode também parecer um lugar quentinho e seguro, para poder se aconchegar entre os casacos e cobertores e sonhar ignorando a feiura do mundo lá fora. Me esconder, para mim, foi assim por algum tempo. E se também foi para você, eu só quero dizer que respeite isso. Não se force a algo sem estar pronte. E eu torço para que ninguém te empurre para fora do esconderijo.
Para você, que se esconde, eu desejo que tenha conforto enquanto for possível. Desejo que se esconder te dê tempo de se conhecer e compreender. De se ver como uma pessoa. Não como um erro ou algo estranho e indesejável.
Eu não sei se o esconderijo dói para você. Não sei se é um lugar apertado, abafado, assustador. Se for, eu realmente sinto muito. Desejo que você possa conhecer também outros lugares, ver que alguns são bonitos e acolhedores e que, sim, dá pra se sentir bem e falar e agir como você deseja sem se preocupar com o que vão dizer.
Estou apenas conhecendo o mundo fora do meu esconderijo. Sentindo como é o ar do lado de fora. Experimentando um pouco da liberdade que eu sempre quis.
Eu sei que o mundo é assustador quando se vai um pouco mais longe. Eu sei, existe ódio. Eu sei, não dá para ser livre o tempo todo. Ainda não. Mas um pouquinho de liberdade é uma das melhores coisas que já senti. E eu espero que você também possa sentir um dia. No seu tempo. Mas, enquanto se esconde, saiba que você não tem motivos para se envergonhar.
Com amor,
Uma pessoa que acaba de sair de seu esconderijo.
Promoção Dia do Orgulho
Em comemoração a essa data tão importante para nós, deixei Mesmo que eu vá embora e Antes que as dores te sufoquem por apenas R$ 1,99!
Além dos links acima, no meu linktree você tem acesso a ambos!
Esse preço promocional será válido hoje e amanhã (28 e 29 de junho).
As últimas
No dia 16, conforme vocês devem ter constatado pela edição-extra que enviei, publicamos De todas as paradas do mundo e esse lançamento foi um sucesso até maior do que eu esperava! Só nesse dia, vendemos 91 e-books, e de lá até aqui, já tivemos 168 e-books vendidos e mais de 6 mil páginas lidas! É um livro de apenas 188 páginas, então, eu acho esse número impressionante para um período de 12 dias.
A recepcção está sendo muito boa, e não só tivemos muitos compartilhamentos e comentários nos nossos posts de divulgação, como também recebemos várias mensagens e avaliações lindas de leitories.
No dia 20, tivemos nossa live de lançamento pelo Clube Sáfico no canal de Mariana Mortani no YouTube, e foi um momento muito gostoso para falarmos das nossas histórias e personagens, da nossa identificação enquanto mulheres sáficas e outros assuntos, e a interação no chat foi maravilhosa! O vídeo ficou salvo, então se você quiser, ainda dá pra assistir.
Além disso, duas coisas relacionadas a outras histórias minhas aconteceram: na quarta-feira, 21 de junho, perdi o sono mais cedo, e ao invés de ficar tentando dormir de novo, abri o Google Docs no celular e escrevi até finalizar o primeiro capítulo da nova versão do meu romance.
Se você se perdeu nessa linha do tempo, saiba que desde 2021 eu tento escrever um romance que passou muito tempo em hiato devido aos meus problemas de saúde mental e que tinha muitas falhas na estrutura narrativa. Comprei um curso de escrita para corrigir isso, e seguindo as atividades do curso, este ano elaborei um roteiro cena a cena, e no início de junho, comecei a escrever de fato. Eu ainda tenho aulas do curso para assistir e mais tarefas para realizar, e vou fazer isso antes de continuar escrevendo. Mas estou feliz com a conquista.
E lembram de quando avisei que estava produzindo meu próprio site? Eu já tinha colocado o portal no ar no dia 16, com o lançamento do livro, mas só para poder usar meu link afiliado aqui na newsletter e nos grupos do Facebook sem ter problemas com o Programa de Associados da Amazon. Na segunda-feira (26), divulguei o link pra geral com post em várias redes sociais, convidando as pessoas a conhecerem o site. Você também pode fazer o mesmo clicando aqui!
(Lembrando sempre que não é permitido enviar links afiliados da Amazon por e-mail, por isso sou levada a usar a criatividade para deixar meus links aqui. Caso você esteja lendo esta edição no seu e-mail e se interesse por algum dos livros citados abaixo, lembre-se de abrir a versão web clicando no botão no topo da mensagem, ou abrindo a loja pelo meu linktree. Se está lendo pelo Substack mesmo, não se preocupe porque aqui é liberado. Pode clicar em qualquer um dos links e me ajudar me dando uma pequena comissão pelas suas compras.)
Li, ouvi e assisti
Do dia 14 até aqui, li meu próprio livro, De todas as paradas do mundo, em valorização aos contos das minhas colegas de publicação. Continuo andando a passos lentos com as leituras de Os pilares da terra - nesse, já me encaminhando para o fim - e Noite e dia. E também estou lendo Entre livros e fios dourados, de Lolline Huntar’z, uma romantasia ambientada durante um evento literário em um mundo onde a literatura é valorizada da forma que todo leitor e todo escritor sonha que seja. As protagonistas são uma escritora convidada do evento e uma elfa que trabalha numa biblioteca mágica.
Ontem, me emocionei ouvindo sobre a morte de Carolina Maria de Jesus em 1977 no podcast História Preta. O episódio Devido lugar fala também de como Carolina caiu no ostracismo após o sucesso de Quarto de despejo e da vida difícil que ela levou, novamente na pobreza e propositalmente esquecida pela comunidade literária, até ter sua memória e seu trabalho resgatados pouco a pouco nos últimos anos. Gostei muito de acompanhar a série sobre ela no História Preta e recomendo muito que ouçam!
Falando em morte, o último episódio do podcast Rita Lee: Outra Autobiografia, trata de como Rita até hoje fascina pessoas jovens o suficiente pra nunca terem ido a um show dela, e como revolucionária que era, abraçou a comunidade LGBT.
Como uma apaixonada pelos filmes de Almodóvar, eu não poderia deixar de recomendar o episódio Amarrados em Almodóvar, do podcast 451 MHz, a respeito de sua obra.
Dias antes que minha assinatura promocional do Apple TV+ acabasse, assisti ao incrível Emancipation, protagonizado por Will Smith, que adapta a trajetória de fuga de um homem negro em busca do exército da União, durante a Guerra de Secessão nos Estados Unidos, logo após a abolição da escravatura.
Desde que vi uma thread no Twitter avisando que vários filmes excelentes seriam removidos do HboMax no fim deste mês, estou obcecada e fazendo uma verdadeira maratona para não perder nada desse conteúdo. Em meio a isso, destaco Bonnie e Clyde - Uma rajada de balas, um filme de 1967 incrível - infelizmente já removido - e Levada da Breca, uma comédia de 1938 completamente aleatória mas muito divertida.
Eu fico por aqui
Um abraço,
Lethycia
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adorei você ter compartilhado um pouco da sua história e as várias etapas desse processo <3