Eu leria somente livros LGBT - Uma mulher que escreve #91
Encontrar livros que falavam de mim e de pessoas como eu foi tão transformador que passei a querer ler o máximo possível de livros LGBT em todos os gêneros que pudesse
Olá, pessoas que leem!
Com o Dia do Orgulho chegando, resolvi escrever um textinho sobre como os livros foram importantes para que eu me visse com mais gentileza em relação à minha sexualidade. E é disso que vamos falar hoje!
No final de maio, vendo que terminaria minhas três leituras consecutivas em dias seguidos, me planejei para criar uma nova prioridade nas minhas escolhas, e assim, fazer com que minhas próximas três leituras que eu iniciaria logo logo fossem todas de livros LGBT. Nada muito difícil para quem lê livros escritos e protagonizados pelo povo animado desde 2018. Hoje, tenho acesso a tantos livros assim que é natural pra mim ler vários seguidos, ou mesmo, quase não ler livros em que o protagonista é hétero, cis, allo, etc.
Eu lembro de quando esse tipo de leitura - os chamados livros com representatividade - estava se tornando mais habitual pra mim. Naquela época eu estava conhecendo melhor a mim mesma e às questões típicas de quem vive fora da norma, e ler livros assim fazia eu me sentir menos alienígena, menos solitária, mais… autorizada a ser eu mesma.
Também estava descobrindo mais sobre meu próprio gosto para leitura, e descobrindo que não detestava livros de romance, como tinha acreditado por muito tempo, mas sim que apenas passei tempo demais lendo os livros de romance errados. É diferente quando você se identifica com os dilemas e conflitos.
Esse tweet de alguns anos atrás fez um pouquinho de barulho na minha bolha, me indicando que outras pessoas também partilhavam da preferência por histórias em que pudessem se ver - o que, digamos de passagem, é uma coisa meio óbvia.
Hoje eu já não acho romances sem representatividade entediantes como achava antes porque aprendi a consumir e gostar das situações típicas de histórias de romance, então aumentei bastante a frequência desse gênero nas minhas leituras.
Mas a importância da busca de nós pessoas fora da norma por nos vermos em mais lugares, por ter com quem compartilhar as nossas angústias, esperanças e alegrias, por ter histórias que falem de nós, dos nossos medos e anseios, me parecia uma coisa tão óbvia e fácil de compreender que estranhei quando vi pessoas sendo criticadas nas redes sociais pela escolha de ler preferencialmente ou exclusivamente livros LGBT. Alguns autores e leitores que acompanho estavam rebatendo às críticas falando do quanto foi transformador para eles ter encontrado que os fizeram compreender que não eram monstros nem aberrações nem pessoas quebradas ou doentes só porque, durante muito tempo, o acesso a esse tipo de história tinha sido muito difícil, e com o passar do tempo foi se tornando maior e mais fácil.
E é sobre isso que eu gostaria de falar hoje: sobre como é transformador saber que existe mais gente por aí sentindo exatamente a mesma coisa que nós. Uma frase famosa de James Baldwin fala exatamente sobre isso:
Você acha que sua dor e seu desgosto não têm precedentes na história do mundo, mas depois você lê. Foram os livros que me ensinaram que as coisas que mais me atormentavam eram as mesmas que me conectavam com todas as pessoas que estavam, ou que alguma vez tinham estado, vivas.
Imagina então a importância disso pra quem faz parte de grupos marginalizados, cujas vivências tiveram que ser mantidas em segredo por tanto tempo em sociedades que nos recriminam?
Eu me lembro da primeira história com personagens não-hétero que li. Foi o conto Aqueles dois, de Caio Fernando Abreu, numa antologia chamada Além do ponto e outros contos. Eu tinha então quatorze anos, mas sequer percebi a relação que o conto retratava, acreditando que os comentários de colegas de trabalho dos dois personagens não passava de fofoca, “maldade”. Ninguém tinha me recomendado aquele livro, eu não tinha lido uma resenha ou assistido a um vídeo de indicação. O ano era 2011, o booktube não existia e eu sequer conhecia blogs literários. Não era bonito falar de personagens gays naquela época. Gays só serviam como personagem secundário de novela pra fazer a gente rir com bordões repetidos à exaustão.
Só quando reli o conto, uns oito anos depois, já adulta e bem mais consciente, foi que eu entendi a violência a que “aqueles dois” estavam submetidos com tanta gente fazendo suposições sobre suas vidas a ponto de a relação tão bonita que tinham, mesmo que fosse uma coisa secreta, tivesse de ser encerrada.
A essa altura eu já tinha lido outros livros com personagens bissexuais, lésbicas, trans, gays, e já tinha compreendido a mim mesma com uma pessoa na comunidade LGBT. Já tinha me sentido abraçada por histórias em que o protagonista sai do armário e fica tudo bem em casa, com a família e os amigos, porque era um indício de que era possível eu ser verdadeira comigo mesma e não ser recriminada. E já tinha chorado lágrimas de desespero lendo sobre o medo de personagens fora da norma que viviam em um Brasil distópico muito parecido com aquilo que certas pessoas públicas prometiam para o futuro do país na propaganda eleitoral em 2018.
Depois que descobri livros que falavam de mim e de pessoas como eu de forma verdadeira, sincera, aberta, crua, verdadeira, visceral - como pode ser todo livro feito da alma de quem escreveu - eu queria mais daquilo. Queria ler romances e tragédias e aventuras e dramas e biografias e fantasias e romances de formação e viagens no tempo e pelo espaço e histórias de ódio, ambição e vingança e poemas e memórias e tudo o mais que fosse possível em que o olhar, os pensamentos, os sentimentos fossem de uma pessoa parecida comigo.
Eu tinha passado tanto tempo sem saber quem eu era e sem me ver nas histórias que lia que a dupla descoberta (a da minha sexualidade e a de uma literatura que me contemplava) foi um ponto de não-retorno, a ponto de eu nunca mais desejar algo parecido com a invisibilidade de antes.
Eu poderia ler somente livros LGBT por um tempo indeterminado, e ainda não sentiria que esgotei as possibilidades de histórias a se contar sobre nós. Passamos muito tempo sendo silenciados para não ter coisas infinitas a dizer agora que temos quem nos ouça.
Leia com orgulho por R$ 1,99
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Somente na sexta-feira, 28 de junho, Mesmo que eu vá embora, Antes que as dores te sufoquem e De todas as paradas do mundo estarão por apenas R$ 1,99, e se você ainda não tem algum deles, é uma ótima chance para adquirir!
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Li, ouvi e assisti
Continuo lendo O livro das coisas que nunca aconteceram, e pelo visto vou demorar, porque ainda não cheguei nem na metade. Mas consegui terminar Você por aqui, que infelizmente não terminou com as duas amigas formando um casal - só uma delas é sáfica, a outra, aparentemente não -, mas foi uma leitura leve e rapidinha.
E também concluí Canção dos Ossos com uma sensação de que foi uma das minhas melhores leituras do ano. O jeito que a protagonista desse livro se permite pensar e sentir a própria raiva, ambição, inveja e outras emoções e sentimentos considerados “feios” e “ruins”… Eu acho que é uma coisa que deveria estar presente em mais histórias! E gostaria de ler mais livros de Giu Domingues tratando de “coisas feias” como essas.
Esta semana, ouvi à playlist storytelling, com músicas que contam histórias, e também à Escute Esta Canção, com as músicas recomendadas por Anna Fagundes Martino na newsletter dela de mesmo nome.
Assisti ao incrível Estômago (2007) antes que fosse removido da Netflix e recomendo muito! Eu só ouvia elogios sobre esse filme sobre um cozinheiro de bar que vai parar em um restaurante conceituado e depois em um presídio, e depois de ver, entendi o motivo. Se eu despertei a sua curiosidade, ainda dá tempo de assistir, pois se não me engano, será removido no dia 03.
Pelo Prime Video, assisti ao incrível Priscilla, a rainha do deserto (1994), que acompanha a viagem de três drag queens pelo interior da Austrália até o local odne farão um novo show. É um daqueles filmes onde o caminho e o tudo o que acontece ao longo dele importa mais do que a chegada, mas o que se encontra lá, também é bonito.
E na Mubi, adorei ter assistido ao Kokomo City (2023), um documentário sobre mulheres trans em situação de prostituição que têm diferentes pontos de vida sobre a vida que levam e também sobre autoaceitação, sobre o olhar do outro, sobre a liberdade de ser quem se é e as múltiplas questões envolvendo ser uma pessoa negra fora da cis-heteronormatividade.
Espero que tenham gostado das recomendações!
Eu fico por aqui.
Um abraço,
Lethycia Dias
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