Antes de qualquer coisa…
A news ta diferente, né?
Fazia tempo que eu pensava em mudar de plataforma, porque apesar da praticidade de ter um botão de inscrição no meu perfil do Twitter, estava bem insatisfeita com o Revue. Como várias pessoas que conheço, tomei minha decisão após a compra do Twitter por seu novo dono que é um bilionário mimado em busca de novos brinquedos.
Como muita gente que conheço, vim para o Substack. Ficaremos por aqui enquanto estiver legal. Não precisa se preocupar, porque eu trouxe todos os inscritos de Uma mulher que escreve lá do Revue, então você não precisa se inscrever de novo, a não ser que queira.
Um pássaro no meu peito
Eu pensei muito em escrever esta edição. Também pensei em não escrever esta edição, ainda mais considerando que semanas atrás discuti num evento online sobre os limites entre publicar textos autorais e expor a própria vida numa newsletter. Lá, na mesa do O Texto & O Tempo, cheguei à conclusão de era inevitável falar um pouco de mim na medida em que me sinto confortável.
E como a ideia desse texto não vai embora, aqui estou. É difícil escrever sobre isso.
O livro O Pássaro secreto, de Marília Arnauld, foi uma das minhas melhores leituras do ano passado e começa com esse parágrafo:
Talvez exista um lugar de onde não se pode mais retornar, de onde a vida não pode mais ser devolvida. Talvez esse lugar seja aqui, onde me encontro agora, submersa na essência verde-azulada do silêncio, uma Ofélia enredada em guirlandas de mal-mequeres, a entoar uma canção sem melodia nem palavras, livre do peso do próprio corpo, livre de si mesma.
Essa imagem nunca me saiu da cabeça. Tanto é que citei esse parágrafo como um exemplo de trecho que me chamava a atenção num curso de escrita que fiz este ano. Ofélia, a namoradinha de Hamlet na peça de Shakespeare, afogada após enlouquecer de tristeza por não compreender a falsa loucura de seu prometido. Assim:
Nesse livro, que eu li pelo Kindle Unlimited e saí marcando quotes loucamente porque toda frase que lia era bonita demais e dizia algo que eu entendia demais, a protagonista-narradora usa a metáfora de um “pássaro de bico ensanguentado” martelando em seu peito para se referir aos sentimentos de rejeição, ciúmes e raiva que a atormentam desde a chegada de uma recém-descoberta meia-irmã que conquista o amor de todos que ela mesma amava.
E eu sempre entendi o tal pássaro secreto do título como aquilo que leva a protagonista ao lugar de onde narra alguns trechos da história: a consultórios psiquiátricos e quartos de hospício. Imagino o pássaro como uma coisa que machuca de dentro pra fora, sem que ninguém ao redor possa perceber. A prosa poética, usada no livro, utiliza metáforas com frequência, estabelecendo essas relações que cabe ao leitor desvendar e compreender. Não soaria tão bonito se ao invés disso, a autora tivesse usado várias vezes o nome de algum transtorno psicológico.
Eu também tenho um pássaro morando aqui dentro. Não sei há quanto tempo. Percebi o pássaro pela primeira vez há sete anos, bicando forte, mas pode ser que ele já estivesse me roendo aos poucos há muito mais tempo. É uma habilidade do pássaro ser sorrateiro, saber se esconder para que ninguém nunca desconfie que ele estava lá; ou para que se pense que ele foi embora. Eu sempre me pergunto: foi mesmo?
Meu pássaro particular tem cantado alto nas últimas semanas, um canto tão assustador quanto o do corvo naquele poema. Um canto que me faz abrir os olhos de manhã e me perguntar por que, de novo, estou acordando. Um canto que me faz querer permanecer ali, porque não há motivo para levantar. Um canto que me faz perder a alegria pelas coisas que mais gosto, que me faz chorar sem saber o motivo ou cair em crises de choro ininterruptas por coisas aparentemente pequenas. Eu aprendi a identificar os sintomas quando o pássaro resolve se mostrar.
Eu gostaria de poder enfiar a mão por dentro de mim mesma, pegar o pássaro antes que batesse as asas para se esconder e torcer seu pescoço para matá-lo de uma vez. Sem dó. Gostaria de tirar de dentro de mim essa coisa que não tem nome porque não tenho como acessar um profissional que me diga qual o nome da doença ou transtorno ou problema. Aqui, resolvi chamar de pássaro, adotando a metáfora do livro. No dia-a-dia, eu chamo de A Coisa, como naquele outro livro, talvez por medo de chamar pelo nome que eu acho que A Coisa tem.
Escrevi isso para dizer que não estou bem. Que desde a semana em que enviei a última edição (19 de outubro) eu venho estranhando meu próprio comportamento. Que depois de me recuperar do lançamento de Antes que as dores te sufoquem, em setembro, passei semanas tentando voltar a escrever, mas sem conseguir, porque todos os dias eu acordava sabendo que estava daquele jeito. Que, embora a minha participação no O Texto & O Tempo tenha sido incrível, no dia seguinte eu estava tão triste que só queria sumir. Que, mesmo que a vitória nas urnas tenha me alegrado, a alegria só durou uns dois dias, e depois eu já estava mal de novo. Que, mesmo que eu tenha conseguido começar a escrever uma história nova, só durou três dias. E que continuar - não só a escrever uma história, mas continuar com tudo - é muito, muito, muito difícil.
Mas estou tentando. Tudo que eu faço, todos os dias, é tentar.
Atualizações
Participar do O Texto & O Tempo foi inacreditável. Por mais ou menos 50 minutos, participei de uma das mesas-redondas do evento conversando com Carol Chiovatto, Eric Novello e Felipe Castilho sobre a divulgação literária por meio de newsletters. Foi um diálogo muito gostoso e o carinho que recebi do público foi lindo. Me fez lembrar, mais uma vez, o quanto eu gosto desse espaço e do tipo de relação que criamos aqui. O mais incrível é que fui paga para participar, então alguns dias depois, eu me dei um presente. Agora tenho óculos de sol novos para usar na ida ao trabalho.
Depois de três semanas de tentativas frustradas, houve um dia em novembro em que acordei cedo e escrevi um parágrafo de uma história nova. Eu nunca tinha ficado tão feliz com um parágrafo só. Essa história faz parte de um projeto muito especial e deve vir ao mundo em junho de 2023. Supondo que eu termine de escrever, é claro. Nos dias seguintes, avancei mais um pouco, mas aquela empolgação de história nova passou. Estou tentando fazer uma escaleta para poder continuar.
Fiz minha inscrição em um curso de inglês online de valor acessível com a Teacher Karina, que conheci pelo Twitter. Estudar inglês - estudar de verdade, com sala de aula, professor, exercícios e trabalhos - é um projeto antigo que eu vinha adiando há anos pra quando tivesse um pouco mais de estabilidade financeira. Eu sempre tive pé atrás com EAD, mas aprendi muito com os cursos de escrita e marketing que fiz esse ano, e isso resolve o meu problema de ter que ficar horas dentro de um ônibus.
As aulas só começam em janeiro, mas já estou empolgada. Ter projetos é importante para quem precisa continuar, e eu quero algum dia ser capaz de entender as músicas que canto em inglês. E ler um tweet sem usar um botão de tradução pra ter certeza se entendi direito. E ler livros que não foram traduzidos. E conversar com gringos sem sentir vergonha. E poder colocar isso no meu currículo.
O que li, ouvi e assisti
Acho que isso aqui vai ficar enorme se eu for listar tudo que consumi durante um mês, então vou cita só o que foi mais marcante:
Abandonei O rei de amarelo depois de passar da metade e perceber que estava perdendo meu tempo com uma coletânea de contos que não me mantinham curiosa e só repetiam nome e profissão de personagens e referências sem sentido. Que livro chato!
Li meu primeiro romance com monstro e adorei. Bem mal me quer, de H. Pueyo, é uma história sobre uma garota que assume o posto de guarda-chaves numa mansão habitada por uma cruel mulher-aranha-gigante que devora os humanos que a irritam. Antes de ler essa novela, eu lia tweets sobre romance de monstro e ria sem entender como alguém pode shippar um ser humano com algo que não é humano. Agora eu entendo que se a atmosfera for bem-feita, tudo é possível.
Mais uma vez participei do #BingoLitNegra, então meu mês de novembro foi majoritariamente de livros escritos e protagonizados por pessoas negras. Blackout: O amor também brilha no escuro era tudo que eu precisava e não sabia! Eu amei como as histórias são conectadas entre si! Empoderamento, de Joice Berth, é o segundo livro da série Feminismos Plurais e esclarece escurece uma palavra da moda nem sempre bem compreendida. E Acorda pra vida, Chloe Brown, é uma comédia romântica deliciosa que me divertiu DA PRIMEIRA À ÚLTIMA PÁGINA!
No momento, estou lendo Reticências, de Solaine Chioro; O Irlandês, de Tayana Alvez; e ainda A hora do vampiro (hoje com o título Salém), que levou quase 200 páginas para ter alguma coisa acontecendo, e eu só não abandonei porque percebi que finalmente ia rolar e voltei a ficar curiosa. Mas com certeza é um livro bem mais ou menos do King.
É impossível lembrar todos os episódios de podcast que ouvi nesse tempo, mas posso destacar alguns: comecei a ouvir o podcast Pico dos Marins: O Caso do Escoteiro Marco Aurélio, que investiga um desaparecimento ocorrido no interior de São Paulo em 1985. No Entre Sumários Cast, gostei muito do episódio Pretos também amam, sobre romances escritos e protagonizados por pessoas negras. E tive a surpresa de ser citada como recomendação de leitura por Tayana Alvez, uma das convidadas! E o História Preta começou agora uma nova série chamada Copa em Preto, que aborda a relação histórica entre o futebol, o racismo e o mito de democracia racial construído historicamente no Brasil. Ta bem interessante!
Após a morte de Gal Costa, passei dias ouvindo as músicas dela que tenho favoritadas no Spotify. A voz dela é trilha sonora da minha vida desde que me lembro e eu já escrevi sobre isso numa outra edição. Que horrível esse mês de novembro pra música brasileira! Gal se foi, Erasmo também, Milton Nascimento fez seu último show. No mesmo ano em que perdemos Elza Soares. É muito triste pensar que os artistas que você admira podem estar vivendo seu último ano, seus últimos meses. Gravando o último álbum, fazendo a última apresentação.
Graças aos feriados que tivemos desde outubro, terminei de assistir à segunda temporada de Bridgerton bem mais rápido do que esperava. Considerando a quantidade de reclamações sobre essa temporada que li no Twitter quando foi lançada, eu penso: ainda bem que não li os livros! Eu gosto da série exatamente pelo que ela tem de diferente deles (segundo apontam os leitores)! O casal da vez é do tipo cão e gato e eu me diverti muito com Anthony e Kate. Sendo uma fã de friends to lovers, eu preciso admitir que o haters to lovers também tem seu charme.
Espero voltar daqui a duas semanas com notícias melhores.
Um abraço,
Lethycia
me identifico com várias coisas que vc compartilhou sobre si mesma nessa edição, mas o que eu mais concordo com vc é que: o Rei Amarelo é um puta livro chato hehe
obrigada por estar lá no Texto e o Tempo! espero te ver de novo por aí :)