Edição nº 62
Olá, pessoas que leem!
Na segunda-feira passada tivemos uma edição extra com um miniconto de Carnaval, sem atualizações nem recomendações, mas hoje estou de volta com o conteúdo padrão.
Há quase um mês, tomei uma decisão precipitada da qual me arrependi em menos de uma semana. Mas, apesar do pouco tempo que havia passado, já era tarde para voltar atrás. Não tinha jeito de consertar as coisas e fazer voltarem a ser como antes. Se eu tivesse sido mais cuidadosa…
Essa pergunta - e se - tem sido uma constante na minha vida nos últimos anos. Geralmente ela aparece quando fico decepcionada ou frustrada com alguma coisa. E a última edição da newsletter Segredos em Órbita, da Vanessa Guedes, me fez pensar em quanta energia a gente gasta imaginando versões alternativas das nossas vidas, porque se eu tivesse feito outra escolha…
Eu já pensava em ser jornalista desde os 14 anos, mas só fui decidir de verdade aos 17, no fim do Ensino Médio. Desde o ano anterior, eu estava estudando pra valer para o ENEM, e embora a minha mãe me dissesse que eu deveria estudar o que quisesse, mais de uma vez ela comentou que achava que Direito combinava comigo. Direito, até parece! Eu nunca mais pensei nisso, até que me formei e encontrei dificuldades no mercado de trabalho e precisei me submeter a um freela em que ganhava o equivalente a uma bolsa de estágio, sempre com atraso. Nessa época eu lembrei da sugestão da minha mãe, porque vocês sabem, Direito é visto como um curso que “dá dinheiro”. Comecei a pensar que se tivesse seguido o conselho dela, eu já estaria empregada e ganhando bem, pronta para realizar todos os meus sonhos.
Eu não acredito nisso de verdade. Mas de vez em quando surge aquela vozinha na minha cabeça, sussurrando: e se eu tivesse estudado outra coisa?
Acho que isso acontece porque, enquanto seres humanos, nós nunca estamos satisfeitos com o que temos. Ainda mais quando tínhamos uma expectativa alta sobre alguma coisa e, quando vamos ver, descobrimos que não era tão legal ou tão fácil assim, e aí precisamos encarar de um jeito mais realista, baixar um pouco a bola, realinhar os objetivos. Mas algumas vezes esse choque de realidade dá medo e insegurança, daí a gente começa a pensar: e se eu tivesse feito diferente?
Eu pensei em tudo isso depois de ler o texto em que a Vanessa imagina quem ela seria hoje se nunca tivesse deixado sua cidade natal, e pensei em quanta ficção começa a partir de um simples e se, seja sobre as nossas vidas ou sobre algum tipo de produto cultural ou fato histórico. As próprias fanfics que eu lia e escrevia na minha adolescência eram baseadas nisso! A gente, enquanto fãs de um livro ou filme, pensava naquilo que mais tinha doído na gente durante a leitura e em como a história poderia mudar a partir dali. E se fosse possível salvar da morte aquele personagem que todo mundo ama?
Fora dos ambientes de fandom, também existem muitas obras que refletem, exploram ou mesmo brincam com essa nossa mania de querer alternativas diferentes. Longe de mim presumir que seus autores partiram de premissas tão simples, mas depois que a gente conhece a obra, fica fácil resumir numa pergunta só:
E se Sherlock Holmes fosse chamado para investigar um crime no Brasil? (O Xangô de Baker Street, Jô Soares); E se os Beatles nunca tivessem existido? (Yesterday, 2019); E se os aliados tivessem perdido a Segunda Guerra? (O homem do castelo alto, Philip K. Dick); E se você soubesse que vai morrer em 24 horas? (Os dois morrem no final, Adam Silveira); E se pessoas negras fossem expulsas do Brasil, como medida de “reparação” histórica? (Medida provisória, 2022); E se você pudesse conhecer todas as possibilidades da sua vida e saber como cada pequena decisão que você tomou foi capaz de mudar alguma coisa na trajetória? (A Biblioteca da Meia-Noite, Matt Haig).
Os e se de uma história ficcional que já existe são explorados numa série que tem exatamente esse nome (What If…?, 2021), e as diferentes vidas que uma mesma pessoa poderia viver, além de tema de livro, entram em discussão também em um filme recente: Tudo em todo lugar ao mesmo tempo, como bem apontou Thiago Ambrósio Lage nos comentários do texto da Vanessa, levou isso ao extremo.
Quando fico frustrada comigo mesma, eu me pergunto qual versão de mim mesma eu seria no multiverso de Tudo em todo lugar ao mesmo tempo. Será que eu seria a pior de todas, aquela que falhou em tudo? Ao mesmo tempo, eu também me pergunto se esse pensamento é meu mesmo, ou se é só mais uma das mentiras que a depressão planta na minha cabeça. Eu desconfio da segunda opção.
E, quando consigo tirar o filtro de negatividade que às vezes me faz interpretar tudo do jeito errado e então me lembro de todas as alegrias que tive, de todas as pessoas incríveis que conheci, de tudo que aprendi, tudo que vivenciei… Eu penso de novo na sugestão da minha mãe. E nessas horas eu acho que, num outro universo onde a Lethycia de 17 anos tivesse escolhido estudar Direito só pelo prestígio social que o curso parecia oferecer para uma jovem pobre que queria sair do bairro periférico onde morava… Nesse universo, talvez a Lethycia de 26 anos estaria se achando covarde por não ter seguido seus sonhos, e provavelmente estaria se perguntando como teria sido a vida dela se tivesse feito a outra escolha. Talvez essa Lethycia bacharel em Direito também estaria decepcionada com o mercado de trabalho, e também estaria estudando para concurso público por achar que só ali teria boas oportunidades.
Eu nunca vou saber. Na vida, diferente da ficção, não existe segunda chance, nem viagem no tempo, nem realidade paralela.
Em andamento
A publicação que vem aí em junho está acontecendo. A etapa de escrita já passou e os textos estão passando por alterações e melhorias. Pesquisas já foram feitas, contatos realizados… Tem prazo pra isso e mais aquilo. Eu fico ansiosa só de pensar, mas é de um jeito bom. Não ansiosa de hiperventilar, ver as próprias mãos tremendo e achar que o mundo vai acabar ali. Mas ansiosa no sentido de abrir um sorrisinho contente e cobrir parte do rosto com as mãos, pensando: “É real! Vai acontecer!”.
Eu gosto tanto desse projeto que não vejo a hora de poder falar dele.
Li, ouvi e assisti
Consegui concluir Boa noite, Dias de abandono e O guia da donzela para anáguas e pirataria. Esse último me surpreendeu levando a protagonista a sair da Europa para embarcar numa aventura envolvendo ambição, exploração colonial e conflitos éticos e morais em pesquisas científicas. Eu realmente não esperava que saber bordar pudesse dar uma vantagem para duas mulheres presas em um navio.
Na semana passada, decidi reler Eu vejo Kate, de Cláudia Lemes, para poder finalmente ler sua continuação, Eu vejo Kate: A lua do assassino. Apoiei um financiamento coletivo para edições físicas desses livros em 2019, e desde então eles estavam na minha estante esperando sua vez. Hoje, já existe UMA NOVA edição desses livros! Mas eu estava perdendo tempo em adiar a releitura: o primeiro capítulo de Eu vejo Kate é absurdamente bem escrito! Esse é um thriller narrado por três personagens (sendo um deles um fantasma), em que uma escritora e um ex-agente do FBI tentam descobrir quem está cometendo assassinatos com o mesmo modus operandi de Nathan Bardel, um serial killer já condenado e executado, de quem Kate está escrevendo uma biografia. É IMPOSSÍVEL parar de ler.
Eu já falei numa edição passada de como gosto de Carnaval na teoria, e aproveitando que estamos na quarta-feira de cinzas, venho recomendar a última edição da Encruza Criativa, enviada na semana passada. Com bastante ironia, Eric Novello conta um pouco da história de repressão a manifestações culturais de pessoas negras no Brasil para lembrar que Mais do que festa, o samba é resistência. Ta sensacional!
O podcast História Preta lançou na semana passada o primeiro episódio de uma série sobre Carolina Maria de Jesus, que mesmo sendo só uma introdução, já está muito bom! Nele, Thiago André fala de como o meio literário e acadêmico daquela época fez questão de dizer que Carolina não era bem-vinda ali, e como até hoje, tendo tido sua história e obra resgatada após décadas de apagamento, Carolina continua vinculada à imagem de pobreza que foi apenas uma parte de sua vida. Ouça aqui.
Nas últimas semanas, estou 100% focada em assistir aos filmes do Oscar. Estou achando as indicações desse ano meio xoxas, capengas, anêmicas, frágeis e inconsistentes, mas alguns dos filmes valem a pena. Dessa vez, indico Argentina, 1985 (Prime Video), que concorre como Melhor filme estrangeiro, e RRR (Netflix), que tem uma de suas músicas concorrendo a Melhor canção original.
Encerro esta edição aqui.
Um abraço,
Lethycia
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Impossível não se perder nos E se... da vida, né?
As vezes é bom não pensar nisso, mas não é algo que a gente consegue sempre controlar.
Eu sempre fico pensando na minha faculdade... Eu fiz o curso que eu queria, estou no mestrado que eu quero, mas o mercado de trabalho me trata tão mal que o E se... eu tivesse estudado outra coisa tem me atormentado muitoooooo.
Ai ai, rapadura é doce, mas não é mole não.
Eu fui a pessoa que fez direito e já pensou "e se tivesse feito jornalismo?" hehe.
Passei muito tempo da vida construindo essas fics na minha cabeça, hoje quando o pensamento vem, tento recitar como mantra uma frase recorrente da minha psicóloga: "o caminho que você não percorreu não existe". Parece óbvio, mas funciona, ajuda a olhar pra frente.
Entretanto, esse seu texto resgatou uma boa forma de pensar "e se", pra exercitar a imaginação e escrever diferentes histórias, gosto muito disso também. Adorei!