Refugiados do Twitter pedem abrigo no Bluesky - Uma mulher que escreve #94
Minha experiência com a migração de uma rede social que já andava mal das pernas para outra que funciona de forma parecida, mas sem uma boa parte dos defeitos
Olá, pessoas que escrevem!
Na última semana, enfim aconteceu o que eu e inúmeras pessoas na minha bolha virtual temíamos. Após repetidas violações de ordens da Justiça Brasileira, o Twitter foi suspenso no Brasil. Eu me recuso a chamar o site pelo seu novo nome, que nem faz sentido.
A possibilidade de perder aquele espaço virtual onde eu divulgava meu trabalho, reclamava da vida, lia piadas tão divertidas quanto inusitadas e acompanhava ao vivo as discussões mais absurdas e desnecessárias que se pode imaginar era algo que já me assombrava havia tempos. Praticamente, desde que Elon Musk comprou a plataforma e começou a piorá-la pouco a pouco.
Mas antes mesmo disso, eu já vivia com o medo de um dia não poder mais usar aquela rede onde as coisas funcionavam de um jeito tão próprio. Sendo uma pessoa nascida no fim dos anos 90, eu testemunhei a queda gradual do MSN Messenger e do Orkut, participei da migração das pessoas da minha geração para o Facebook e seu posterior abandono quando pareceu que ali só tinham nossos pais e tias e as fakenews, tive mais de um blog no blogspot e ouvi falar de todas as outras redes que “morreram” - verdadeiramente ou pela perda de usuários ou das dinâmicas que as tornavam legais para o público. Não era exatamente uma surpresa pensar que outra rede social poderia acabar - ao menos no meu país. O Twitter continua sendo usado mundo afora e também por brasileiros usuários de VPN que idolatram seu proprietário e gostam de coisas como nazismo, racismo, pornografia infantil, golpes de estado e coisas do tipo.
Saber que o Twitter um dia acabaria foi, aliás, o que me fez criar um site profissional e também esta newsletter. Algumas das pessoas que eu mais admiro na internet, como Aline Valek, da Uma palavra, sempre batem na tecla da necessidade de não depender de rede social e de ter um espaço só seu. Comprar seu lote na internet para que ninguém possa te despejar porque decidiu que precisa do imóvel no mês que vem.
Como uma autora que publica e-books de forma independente, e numa plataforma que, sozinha, já pratica arbitrariedades o suficiente com quem a usa para trabalhar, eu sabia o quanto o isso era necessário. Por isso tentei, nos últimos anos, formar a tal da comunidade. Nunca consegui tornar o meu trabalho online rentável nem estável o suficiente para poder pagar um domínio próprio para o meu site, e por enquanto, Uma mulher que escreve está aqui no Substack, que não é o lugar mais legal do mundo, mas tem sido um bom abrigo para as minhas palavras. É o que tem pra hoje.
Será que foi assim que as famílias da antiga Valíria se sentiram ao se mudar para Westeross e ver que ali não era como o lugar que conheciam, mas seria onde teriam de viver, já que seu mundo se acabaria em fogo e água fervente? Perdoem a referência de As crônicas de gelo e fogo, eu ainda estou triste pelo fim da segunda temporada de House Of The Dragon.
Hoje vou falar de como tem sido essa mudança para a rede social mais parecida com o Twitter, que inclusive foi criada após o início de seu fim, o Bluesky, e de como anda o microcosmo literário por lá.
Não cheguei ao Bluesky no último sábado (31/08), quando o Twitter já amanheceu bloqueado para a maioria dos clientes de grandes operadoras de internet no Brasil. Eu tinha criado um perfil por ali em agosto do ano passado, quando ainda era necessário ter um convite. Conhecidos e amigos virtuais estavam estavam indo para o “céu azul” - o apelido que a rede ganhou - para garantir um @ com seus nomes, algo que, para quem trabalha com presença virtual, sempre é necessário quando surge uma rede social nova.
Nos últimos meses, eu vinha entrando no Bluesky ocasionalmente para divulgar produtos em promoção da Amazon, com meu link afiliado que me rende comissões em dinheiro. Eu ainda não tinha falado disso nesta edição, então, se você chegou aqui de paraquedas, saiba que se tiver interesse em adquirir qualquer livro citado aqui, você pode clicar nos links para comprar pela Amazon, e assim eu ganho um pouco de dinheiro que me ajuda a continuar escrevendo. Se você está lendo por e-mail, saiba que não posso enviar links afiliados nesse canal, então, pode usar o meu linktree e me ajudar da mesma forma.
Então, quando decidi abrir o Bluesky no sábado passado, eu já tinha uma timeline, já seguia pessoas e sabia que alguns conhecidos realmente tinham deixado de usar o Twitter e já estavam ali há tempos. Mas logo percebi que o lugar estava um pouquinho mais animado do que de costume, que pessoas novas tinham criado contas (afinal, não precisa mais de convite), e que colegas escritores e influenciadores literários estavam tentando se reconectar uns aos outros. Assim, achei que valia a pena ficar ali para fazer algo além de postar links.
Desde então, estou seguindo e sendo seguida por pessoas, páginas e perfis com quem já interagia na outra rede. Fazer um post com as capas dos meus livros, me apresentando como escritora, me rendeu a minha primeira venda de setembro. Na segunda-feira, publiquei links pensando em indicar coisas que as pessoas que me seguem ali realmente gostariam de adquirir (um cuidado que antes eu não tinha no Bluesky).
Desde então, pareceu que ali seria um lugar legal para que fosse “reconstruída” a comunidade literária que eu conhecia do Twitter. Muitas pessoas do mundinho dos livros estavam migrando, e algumas ferramentas da plataforma facilitavam as coisas. Tinha gente criando listas de autores com ou sem alguma especificidade, e aí ficava fácil encontrar e seguir muita gente de uma só vez. Também havia listas com perfis para se bloquear, como disseminadores de ódio e fakenews, perfis de apostas, etc. Nesse sentido, a moderação é incrível, e o algoritmo, também.
Fazia algumas semanas que eu estava irritada com a quantidade cada vez maior no Twitter de perfis de casas de apostas e outros jogos duvidosos como o “tigrinho”, que se espalharam como pragas após a autorização para atuarem no Brasil. No aplicativo, era pior ainda. Entre um post e outro na timeline, surgiam anúncios que não se podia ocultar, nem mesmo bloqueando o perfil que os publicava, porque qualquer toque na tela já direcionava para a loja de aplicativos do celular.
Agora, é um alívio poder rolar a tela, no computador ou celular, sem ser bombardeada com anúncios que não me interessam e com a lembrança constante de que empresas duvidodas estão lambendo os beiços na ânsia de viciar e roubar gente desesperada por dinheiro fácil.
Outro recurso interessante é poder, de fato, deixar os babacas falando sozinhos. Se alguém te incomodar nas respostas de um post, você pode, além de silenciar ou bloquear a pessoa, ocultar a resposta dela não apenas para si mesmo, mas para todos. Os engraçadinhos que gostavam de crescer na outra rede com ofensas gratuitas, com fakenews, com pedidos suspeitos de doações, com links de lojas online e anúncios de “meus nus no meu perfil” não têm espaço no Bluesky. É gostoso demais não bater palma pra maluco, ou, como diziam antigamente, não alimentar os trolls.
E, se na sexta-feira (30/08) eu estava irritada com o bilionário desocupado por ter estragado a minha experiência numa rede social que já era tóxica pra caralho e inviabilizado o seu uso no meu país… Agora eu já estou quase grata pela migração forçada de tantos conhecidos virtuais para um lugar bem mais saudável - ao menos, por enquanto.
Como tudo na internet, isso também pode acabar. E o início deste texto é um lembrete a mim mesma de que, no futuro, eu posso precisar fazer as malas novamente para ocupar um novo “imóvel” alugado. A não ser, é menos, que garanta minha casa própria na web, como todos aconselham.
Li, ouvi e assisti
Após a última edição, terminei de ler Uma oração para ninguém e Recortes para álbum de fotografia sem gente. O primeiro explora uma seita religiosa esquisitíssima na praia isolada onde a protagonista tenta se proteger de um stalker, e faz uma ótima representação da fé em religiões de matriz africana. Inaê, a protagonista, é uma filha de Iemanjá e sente a presença da entidade a todo momento, inclusive durante a terrível tempestade que acontece nos últimos capítulos da história. O segundo foi uma leitura meio morna, aquém da minha expectativa, mas tem no final um conto delicioso narrado por… uma camiseta!
Li por inteiro, no domingo e na segunda, A torto e a direito, do meu veterano de faculdade e autor de uma das minhas newsletters favoritas, o Júnior Bueno, da Cinco ou seis coisinhas. É uma coletânea de três reportagens em estilo de jornalismo gonzo, que foram o TCC do Júnior, mais uma quarta reportagem publicada por ele no jornal local O Hoje. E são uma delícia de ler! Nesse livro curtinho, Júnior conta histórias de pessoas que trabalham nas ruas de Goiânia; de cinemas adultos que exibem filmes pornô - um deles tem nome de santa e foi, décadas atrás, um dos estabelecimentos mais chiques da cidade; e a história de uma visita a uma aldeia indígena Xavante, no Mato Grosso. Eu já tive a oportunidade de ser esse livro antes e recusei por puro preconceito com o jornalismo gonzo. Embora estivesse errada, eu agradeço por isso: eu não teria curtido tanto um livro como esse com a cabecinha puritana que eu tinha alguns anos atrás. Ainda bem que só li agora. Está na Amazon, e disponível no Kindle Unlimited.
No momento, estou lendo Como tigres na neve, uma fição histórica ambientada na Coreia do início do século passado que liga uma garota treinada para se tornar cortesã ao filho de um caçador pobre. Só as primeiras linhas desse livro já me mostraram que seria diferente de muita coisa que já li, e desde então, eu estava totalmente fisgada. Comecei a ler também está semana Cidades afundam em dias normais, de Aline Valek, um livro de realismo fantástico ambientado na região Centro-Oeste, sobre uma cidade outrora submersa por um lago que ressurge na superfície tão repentinamente quanto desapareceu.
Para falar novamente em Aline Valek, amei o epidósio com participação dela no podcast Clareira, que trata de criatividade. É sempre bom ouvi-la. Senti bastante nostalgia dos anos 2000 com a playlist raindrop reverie, e me deliciei com clássicos do século passado na playlist would you dance with me, my love?
Entre os filmes que assisti recentemente, destaco Fúria Primitiva (2023), o filme dirigido e estrelado por Dev Patel que me deixou curiosa por meses, e que entrou no Prime Video há pouco tempo. Em busca de vingança, o protagonista tem a chance de salvar um grupo marginalizado das ameaças das mesmas pessoas que expulsaram sua comunidade e mataram sua mãe quando ele era criança. No mesmo dia, vi Uma doce mentira, uma comédia francesa deliciosa sobre as confusões causadas por uma carta de amor anônima. Também está no Prime.
E na Netflix, vi uma preciosidade para quem gosta de literatura e mercado editorial. Em Meu ano em Nova York, uma garota que sonha em ser escritora consegue um emprego numa agência literária, onde é responsável por responder as cartas do escritor J. D. Salinger, famoso por ser recluso. Será removido em breve, então, corra pra ver!
Se você gostou desta edição, que tal deixar um comentário? Eu vou amar saber o que você acha do fim do Twitter, se está ou vai para o Bluesky ou não, e se conhece algum dos conteúdos que indiquei!
Por hoje é só.
Um abraço,
Lethycia Dias
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"O Twitter continua sendo usado mundo afora e também por brasileiros usuários de VPN que idolatram seu proprietário e gostam de coisas como nazismo, racismo, pornografia infantil, golpes de estado e coisas do tipo" --> a gaitada que eu dei agora HAHAHAHAHA 10/10, Lethycia. Cômico, porém triste, porém verdade.
Lendo com muito atraso, mas quis passar aqui pra comentar que me senti como você nessa migração do Twitter pro Bluesky. Eu não queria sair e agora não quero voltar.