Edição nº 58 | Por Lethycia Dias
Olá, pessoas que leem!
Olhem bem para os dois lados antes de continuar! Vocês estão violando correspondência alheia…
Fiz essa gracinha para avisar que, no fim do mês passado, entrei numa brincadeira que funciona como um “amigo secreto de newsletter”, em que fui sorteada para visitar e ler edições passadas da newsletter de alguém e então escrever a minha própria news para essa pessoa em forma de carta.
Isso se passou no grupo de Telegram de autores de newsletter do qual passei a participar quando fui convidada para O Texto & O Tempo, e eu amei a ideia de escrever para uma potencial pessoa desconhecida!
Então não estranhem o texto abaixo, que será dirigido à Munike Ávila, autora da newsletter Do tamanho do que vejo, mas que também pode ser interessante para vocês. O que temos pra hoje é:
As formas millenial de consumir música;
A transição entre mídia física e digital pra quem nasceu no fim dos anos 90;
Atualizações de escrita; e
O recesso de fim de ano da news.
Carta para Munike
Goiânia, 13 de dezembro de 2022
Olá, Munike!
Eu não conhecia sua newsletter antes de ler seu nome no sorteio do qual participamos, então, quando cliquei no link da sua página no Substack, decidi começar clicando nos títulos que mais me chamavam a atenção e ler os textos um por um, até que um deles conversou comigo. E esse texto foi sua crônica Discoteca afetiva (vocês, que estão interceptando a carta, façam o favor de ler também. É muito boa!).
Suas lembranças dos discos que colecionou, o álbum do Neil Young e a retirada das músicas dele do Spotify, e o próprio texto cuja leitura você recomenda naquele link - tudo isso me fez lembrar de um tweet que li não sei quando, escrito por alguém obviamente de uma geração mais velha do que a minha, que perguntava às pessoas se, em tempos de streaming, elas ainda tinham disposição para ouvir um álbum do início ao fim. Lembro de ter dado uma resposta curiosa, e é o que decidi compartilhar com você aqui, Munike:
O colégio em que fiz o Jardim de Infância, lá por volta de 2003, tinha um aparelho de som que tocava discos. Era imenso e eu achava engraçado por isso. Tão maior do que o aparelho lá de casa… Primeiro tivemos um daqueles em que era possível inserir três CD’s ao mesmo tempo e alternar entre os três, com duas caixas de som separadas. Depois tivemos um aparelho um pouco menor, que pegava só um CD por vez e era bem mais bonito, com uma luzinha azul que acendia no visor. Esse som ocupou o espaço privilegiado no rack da sala na casa onde morei durante minha infância, e o monstro triplo se mudou para o quarto de meu irmão mais velho, se tornando o som do Jiuliano.
Ali, no aparelho da luzinha azul, eu explorei a coleção de CDs do meu pai durante alguns anos, sentada em um banquinho dobrável porque o único fone de ouvido que tínhamos - um headphone com espuminhas ridículas - era com fio e eu não podia sair de perto do aparelho. Ali ouvi muitas vezes o álbum com hinos de clubes de futebol brasileiro que meu pai tinha, e meu pai deve ter criado a expectativa de que eu aprendesse a cantar o hino do Palmeiras - hoje, só me lembro de alguns versos.
Tínhamos um rack bem anos 2000, com duas gavetas para organizar CDs, onde as caixinhas podiam ser mantidas de pé afastadas umas das outras, e passadas para frente ou para trás, para se poder ver qual era qual, sem ser retiradas de onde estavam. Minha mãe me ensinou a tirar pó dos móveis ainda pequena e eu sempre sentia vergonha quando tirava da gaveta o Barulhinho Bom da Marisa Monte, com todos aqueles desenhos de mulher pelada.
A coleção do meu pai era ótima e ocupava, além das duas gavetas, mais uma prateleira na parte debaixo do móvel, com volumes que iam desde trilha sonora de novela até aquilo que se convencionou chamar de Flashback Internacional, as coletâneas dos anos 80, incluindo vários títulos da Legião Urbana, Roberto Carlos, Chico Buarque, Cássia Eller, Titãs. Minha mãe tinha pouca coisa. Do que me lembro, um álbum da Elis Regina que tinha Como nossos pais, música que ela repetia uma vez após a outra (e eu só aprendi a entender e gostar depois de adulta), e um de Milionário e José Rico que eu não suportava quando ela decidia ouvir.
Mas a verdade, Munike, é que eu não sabia apreciar direito o que tinha em casa. Boa parte daqueles nomes não me diziam nada e a maioria dos CDs que tínhamos não me interessava. O Chico Buarque era um cara estranho que ficava mandando a gente calar a boca. Talvez eu gostasse do álbum dos hinos de futebol porque cada um deles, tentando engrandecer o time correspondente, contasse uma história. E o Palmeiras no ardor da partida / transformando a lealdade em padrão…
E antes que eu aprendesse a consumir toda aquela música que tinha ali tão perto, aprendi a baixar música da internet. E meu pai deixou de comprar CDs em lojas e passou a comprar coletâneas pirateadas ou a fazer seus próprios CDs - daquele jeito mesmo: copia a música de um CD original pra uma pasta no computador, seleciona o que cabe no limite de arquivos suportados e salva tudo em um CD virgem. Foi assim que nasceu o Mis Prediletas, álbum que eu ouço na minha mente até hoje. Só existe na velha bolsa de discos do meu pai, que tem um escudo do Palmeiras bordado.
E ser uma pessoa nascida no fim dos anos 90 é engraçado, porque, pra muitas coisas, a minha geração viveu uma série de transições encarando como uma coisa totalmente natural. A da mídia física para a mídia digital é uma delas. Hoje, vendo o que plataformas gigantes como o Spotify, a Netflix e a Disney+ têm feito com o acesso a certos tipos de conteúdo, vejo pessoas correndo para resgatar suas antigas coleções ou se gabando de ter mantido seus tesouros intactos, enquanto eu, que cresci baixando ou copiando música no computador, nunca sequer comecei uma!
Talvez por isso eu tenha, num impulso de quem decide “se dar um presente”, comprado o álbum 1989, da Taylor Swift, assim que vi que ficou em oferta na Black Friday no fim do mês passado. É o meu álbum favorito da cantora e o primeiro dela que eu adquiro. Ele vai formar um conjunto bem esquisito com a a trilha sonora nacional da novela Duas Caras, que é o único outro CD original que eu tenho. De música baixada e salva em CD virgem, eu tenho a coletânea de “sucessos” da minha turma da quarta série do ensino fundamental, em que cada aluno sugeriu uma música para um álbum que todos ganharam no fim do ano de 2007. Minha contribuição foi Girlfriend, da Avril Lavigne, que eu gostava porque achava o clipe engraçado quando assistia no TVZ do Multishow. Anos depois, eu passaria a ter vergonha disso ao conhecer o conceito de rivalidade feminina.
Mas voltando à pergunta que deu origem a tudo isso: a minha curta experiência de ouvir CDs no aparelho de som da sala de casa não pode ser considerada uma atividade de apreciação. Aquilo que as pessoas com mais de trinta anos contam sobre deitar na cama ouvindo um álbum sem pensar em mais nada além das músicas - é algo que eu só fui conhecer graças aos streamings.
Eu, que só conhecia as músicas mais famosas dos artistas de que pensava gostar, pude pelos streamings realmente experimentar e conhecer a produção desses artistas. E com alguns deles, eu fiz isso seguindo a técnica da qual as pessoas mais velhas diziam sentir saudade: pegando um álbum e ouvindo do início ao fim. Às vezes, ouvindo a toda a discografia disponível. Eu segui a sugestão de Adriana Calcanhotto e comi Caetano, Bethânia, Marisa, Chico, Milton, Gil, Ana Carolina e também os Beatles, a Taylor Swift, a Beyoncé, a Lady Gaga, a Shakira, a Madonna e a própria Adriana. Engoli dos ouvidos para o coração as músicas que eu só ouvia entre o botão de avançar e o de retroceder no som do carro do meu pai e também as que ele nem imagina que eu gosto.
Só não deu tempo de ouvir o Neil Young antes que ele fosse embora da plataforma, e Munike, você não sabe como eu lamento isso. Dele, só pude favoritar no Spotify a música Haverst Moon, preservada no álbum da trilha sonora do filme Comer, rezar, amar.
E sabe os discos borrachões, que você começou a colecionar? Já vi muito millenial fazer isso. Comprar uma vitrola e depois ir farejar os sebos do Centro em busca da música perdida. Aqui em Goiânia têm muitos. As caixas de discos sempre têm cartazes de oferta. Mas a verdade é que, embora existisse um som que tocava discos na primeira escola que eu frequentei, a vez em que me senti mais próxima desse tipo de mídia só foi acontecer na minha adolescência.
Estava numa casa de conhecidos do meu pai em Sobradinho 2, no DF, alguns anos atrás. Ali, além de uma casa onde não entrei, um quintal espaçoso e uma varanda bem ampla, havia uma mesa de madeira comprida, diante da qual me sentei ouvindo a conversa de longe. Num canto daquela mesa estava uma pequena pilha de discos antigos, que eu olhei um por um. Me lembro de reconhecer o Fábio Júnior em um deles e de perceber que o Fiuk, galã da minha adolescência, era mesmo a cara do pai - é que eu nunca tinha visto uma foto do cara quando jovem.
Os CDs da minha mãe ainda estão lá em casa. Hoje em dia, ela prefere ouvir música por vídeos no YouTube com as melhores do Gusttavo Lima ou da Marília Mendonça. Os CDs do meu pai estão guardados em uma caixa de papelão em cima do guarda-roupa, desde que a casa que eu cresci foi vendida quando ele e minha mãe se separaram. Eu ainda tenho um projeto de ouvi-los um por um para tentar preservar o que me agrada. Meu pai também usa os vídeos do YouTube no celular, além de um pen-drive com mais de 800 músicas ligado ao som do carro. Tenho vontade de criar uma playlist no Spotify com todas elas, inclusive as que não gosto, só para ter de volta a experiência do que eu costumava ouvir no banco de trás quando era mais nova. Mas, como muita coisa na vida, eu sempre deixo pra depois.
E você, Munike? Tem deixado eternamente alguma coisa pra depois?
Um abraço,
Lethycia
Atualizações
Por tudo que contei na edição passada, tenho escrito muito pouco. O que dá pra dizer é que é frustrante ter a própria instabilidade como obstáculo. Apesar disso, eu consegui concluir a escaleta que tinha começado a fazer para a história nova. Quem me ajudou com isso foram as outras participantes do projeto do qual essa história faz parte. Escrever se torna um pouco menos solitário quando você divide isso com mais alguém.
Fiz, na semana passada, um workshop sobre visão profissional para escritores e saí da aula muito motivada! Estudar tem me ajudado demais a continuar com os meus objetivos durante todo esse ano. Eu nem sei como estaria minha escrita agora se não fosse pelos cursos que fiz.
Estou tomando algumas providências para mudar o que me faz mal, e aqui eu falo do meu trabalho (mal pago, frustrante, cansativo) e da minha saúde mental (encontrei uma psicóloga com vagas para terapia por valor social e marquei minha primeira sessão com ela para janeiro). Embora nem tudo dependa só da minha vontade - para sair do meu emprego, eu preciso de outro, e pra isso, preciso da aprovação de outras pessoas -, acho que já foi um passo e tanto.
O que li, ouvi e assisti
Da última edição até aqui, o grande destaque das minhas leituras foi O Irlandês. O que parecia uma comédia romântica clichê sobre uma babá que se apaixona pelo chefe que é pai solteiro, gringo, rico e bonitão (e estaria ótimo se fosse apenas isso), se mostrou pra mim uma história sobre a solidão da mulher negra com uma protagonista que tentou não se apaixonar por esse homem porque, além de ele ser chefe dela, TODAS AS VEZES que ela se envolveu com um homem branco, acabou sendo trocada por uma garota branca. Tayana Alvez retrata muito bem o que é não ter relacionamentos não porque você não quer, mas porque a outra parte envolvida não te vê como digna disso - e também os efeitos que isso deixa em alguém. Recomendo muito!
Li também É agora como nunca, uma coletânea de poesia brasileira contemporânea que só comprei anos atrás porque foi organizada pela Adriana Calcanhotto. Foi ok, só isso. Ainda estou lendo A hora do vampiro (ou Salem) e já vi que talvez eu só termine esse livro no ano que vem. Segunda-feira, comecei a ler o volume 4 de Heartstopper, e já estou sofrendo por pensar que se quiser ter mais desses personagens que eu amo tanto, vou precisar esperar a conclusão, lançamento na gringa, tradução para o Português e uma queda de preço do volume 5.
Em dezembro, eu me concentro em ler histórias temáticas de Natal e na semana passada comecei isso pelo conto Panetones Baratos, de Cássio Cipriano. Hoje mesmo, concluí a leitura da coletânea Vésperas sombrias, da Corvus Editora, que tem contos natalinos de terror e horror, e eu adoro essa mistura! Daqui até o fim do mês, devo ler mais coisas na vibe ou de um ou do outro desses dois títulos.
Corroborando o que contei na carta acima, nos últimos dias estou ouvindo os álbuns solo do George Harrison porque gosto demais das músicas dos Beatles que foram composições dele. Essa semana também ouvi o álbum novo da Luedji Luna, Bom Mesmo É Estar Debaixo D’Água Deluxe. Que coisa gostosa de ouvir! Já to viciada!
O podcast 451 MHz teve um episódio bem interessante sobre a representação do sexo na literatura brasileira. Recomendo muito que ouçam essa “conversa sobre aquilo” no episódio 76.
Em filmes, tenho três destaques: o primeiro deles é Romance (2008), um filme brasileiro estrelado por Letícia Sabatella e Wagner Moura, que interpretam Tristão e Isolda numa peça teatral e numa telenovela, e veem realidade e ficção se confundirem entre seus trabalhos e os relacionamentos que desenvolvem entre si e com outras pessoas. É bonito, divertido e me deu o maior bi panic! Está disponível no YouTube.
Pearl (2022) é a história de origem da vilã de X e me conquistou muito mais do que o filme anterior. As cores nesse filme são surreais de tão bonitas e, poxa, como eles ousaram negar a realização dos sonhos da Pearl? Ela era uma estrela! Já aderi ao verbo pearlar como sinônimo de coringar porque eu estou prestes a passar por isso, e estou usando bastante a imagem abaixo, que é uma cena do filme:
Minha última recomendação é O último duelo, filme baseado em fatos que estreou no início do ano e eu acredito que deve ser indicado ao Oscar. O duelo do qual o filme fala acontece numa França do século XIV e é algo como os “julgamentos por combate” de Game Of Thrones. No filme, um homem nobre desmoralizado defende a veracidade da acusação de estupro que sua esposa, a Condessa Marguerite, fez contra um desafeto seu. O que está em jogo é a vida de Marguerite, que será considerada mentirosa e condenada à fogueira caso o marido perca a luta. O filme nos entrega as três versões apresentadas antes desse julgamento: a do marido (bastante enfeitada); a do acusado (debochada); e a da vítima, bem mais pesada do que as anteriores.
Recesso de fim de ano
Desde 2020, quando criei Uma mulher que escreve, eu faço um recesso de duas ou três semanas no fim do ano. Seguindo a periodicidade normal da news, eu deveria enviar uma edição nova pra vocês no dia 28 de dezembro. Mas como sei que todo mundo vai estar concentrado na virada do ano e descansando ou viajando, farei a minha pausa durante essa semana e a semana seguinte, pulando os dias 28/12/2022 e 04/01/2023. Assim, estarei de volta com a edição nº 59 no dia 11 de janeiro de 2023.
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Eu fico por aqui.
Um abraço,
Lethycia
Eu amei demais a sua carta, Lethycia! <3