Crônica de agosto - Uma mulher que escreve #74
Um pouco do meu sentimentalismo envolvendo ipês e por que odeio os meses de julho a outubro
Olá, pessoas que leem!
Quero começar essa edição fazendo errata da anterior, porque nela eu falei que I Wanna Dance With Somebody era uma biografia de Tina Turner ao invés de Whitney Houston, e mesmo tendo revisado antes de enviar, levei dias pra perceber o erro! Já corrigi o texto aqui no Substack, mas quem lê a news pelo e-mail terá acesso à versão incorreta pra sempre! Peço desculpas por isso…
Tive um final e início de semana movimentado, com ida e volta até Brasília num período de três dias, o que me fez perceber, na manhã dessa quarta-feira, que eu não tinha sequer uma anotação de ideia para a edição da quinzena. Sem falar no conteúdo para as redes atrasado, os e-mails acumulados, as tarefas de última hora…
Para não deixar de enviar a news, hoje estou resgatando uma crônica antiga do meu Medium, postada originalmente em 2020, que tem tudo a ver com esse período do ano.
Por que sorrio quando vejo um ipê florido
Cortaram o ipê amarelo do quintal de uma casa por onde eu passo quando preciso ir até o ponto de ônibus. Era uma árvore grande, bonita, no meio de um quintal de terra com uma pequena casa no fundo do lote. Nos dias de agosto e setembro, tornava-se a única coisa bonita numa esquina pouco movimentada de um bairro de periferia. As flores amareladas podiam ser vistas por cima do muro de cimento chapiscado, e a árvore inteira podia ser vista por entre as barras do portão de grade azul desbotada.
Não me lembro há quanto tempo foi cortado. Percebi a falta do ipê outro dia com um espanto de quem já estava acostumada à mesmice da paisagem. Ou quem sabe de quem há muito não tinha a oportunidade de olhar de verdade. Não sei se foi na semana passada, ou no mês passado, ou no ano passado, após a florada. Mas quando percebi, era agosto, e em agosto eu busco pelos ipês e seu vigor colorido por onde passo.
O período que vai julho a outubro é o que eu menos gosto durante o ano. É quando, na Região Centro-Oeste, o frio do inverno brasileiro diminui aos poucos e os dias começam a esquentar e ficar cada vez mais secos. Aqui em casa, vamos modificando a rotina. Para dormir, substituímos os cobertores por lençóis; para passar o dia, mantemos o climatizador de ar abastecido com água e ligado desde o início da tarde até o amanhecer. Colocamos água da geladeira nas tigelas dos gatos. É quando a temperatura está sempre acima dos 30 graus Celsius e tudo o que desejo ao longo do dia é tomar um banho frio antes de deitar. A ideia de descansar, porém, é uma ilusão, porque o calor não me deixa dormir por uma noite inteira.
É também quando os dias parecem adquirir um ritmo mais lento, como se tudo fosse cansativo. É abrir a porta de casa e sentir o bafo quente do dia lá fora. É sentir que o sol está quente antes das nove horas da manhã. É ver o céu adquirir um tom de azul sem graça, sem brilho, quase cinzento, de tanta fumaça que se espalha dos incêndios constantes à beira das rodovias e nos matagais dos bairros de periferia. É ter a sensação de respirar uma mistura de poeira e fumaça, que parece nunca se extinguir. E é também perceber que os dias seguirão assim, um após o outro, numa preguiça mole, por aproximadamente dois meses, até que caiam as primeiras chuvas da primavera.
Em compensação, este período que me causa tanto desconforto também me dá uma das coisas de que eu mais gosto: poder admirar os ipês floridos. Primeiro vêm o roxo, depois o amarelo, em seguida o rosa e, por fim, o branco. Meu favorito é o amarelo. Já tentei várias vezes escrever sobre isso. Coloquei ipês amarelos em contos, tentei escrever poemas, fiz e postei inúmeras fotos. Admito um sentimentalismo meio bobo com os ipês. Uma emoção que vem não sei de onde quando vejo um. Que me faz sorrir sem motivo, acreditar que as coisas vão dar certo e ser mais bonitas.
Gosto de acreditar que meu amor pelos ipês representa minha identificação com o Centro-Oeste brasileiro, meu orgulho de ter nascido aqui. Que os ipês, em si, seriam um símbolo da Região Centro-Oeste, embora eu saiba que eles estão em todo o Brasil. Sei que é uma árvore representativa do Cerrado. E é na imagem do Cerrado e dos ipês floridos que eu me encontro no Brasil. A primeira vez que compreendi isso foi quando fiz minha primeira viagem de avião, de Brasília a Curitiba, e vi o Cerrado de cima pela janela do avião. Daí, saiu um poema, o melhor que eu podia escrever aos 13 anos. Pensando nele, percebo que muito do que estou tentando expressar hoje já estava lá, naqueles versos ingênuos.
Pensar em ipês me faz lembrar de quando ia com minha mãe e meus irmãos à chácara do meu avô, em Planaltina, e da mistura das cores marrom e verde que margeavam a estrada de terra até a entrada da propriedade. O calor e a poeira do caminho. A nuvem de pó que os carros faziam. A descida até a cachoeira, e a oportunidade de observar as plantas e flores no caminho. As caliandras vermelhas que eu via no meio do mato, pequenos pontos de cor que me atraíam a visão. A forma como tudo adquiria um tom mais vivo e bonito com as primeiras chuvas depois da temporada de seca.
Outra lembrança que sempre vem é a de andar de ônibus numa tarde de agosto ou setembro, e de ver, em algum lugar em meio aos prédios de Goiânia, na calçada de uma avenida movimentada, um ipê amarelo florido. E de pensar que podia ter esperança de dias melhores. Que meus planos para o futuro podiam dar certo. Que podia acreditar. O ipê não tinha nada a ver com isso — eu tinha a expectativa de começar em um emprego depois de um bom tempo procurando — mas vê-lo naquele momento tornou o meu dia todo especial.
Talvez o que eu mais goste nos ipês seja a sua característica de florescer quando o clima é mais duro no ambiente em que eles nascem. Quando o solo e o ar são mais secos, quando o sol é mais quente, quando os dias sem chuva na Região Centro-Oeste se acumulam e chegam a 100 ou 120. Certa vez, li que a florada durante a seca era uma espécie de estratégia de sobrevivência da planta, para garantir que pudesse se multiplicar o máximo possível, atraindo insetos para espalhar o pólen das flores no momento mais crítico para a vida no Cerrado.
Acho que essa força, essa busca por renovação é o que eu amo nos ipês. A ideia de que é possível se recuperar de um período ruim, renascer com mais força e mais beleza. Esse meu amor pode parecer uma coisa batida, repetida, porque afinal, todos parecem achar os ipês lindos. Pode parecer uma ideia sentimental e supersticiosa. Mas os meus dias sempre ficam melhores quando vejo um.
Não escolhi esse texto ao acaso. Todos os anos eu amaldiçoo a chegada de julho e dos meses que o seguem. Detesto o calor e o tempo seco do período de estiagem centro-oestino, que parecem piorar a cada ano. Outro dia, li numa notícia que Goiás pode ter temperaturas de até 43 °C. Que ódio. Só me resta mesmo admirar os ipês e evitar qualquer saída de casa no período da tarde.
Uma coisa que me chama atenção nele é que, três anos atrás, eu já pensava nessa admiração como um tipo de “identidade” da região em que nasci e vivo, como se fosse algo que todos aqui compartilhamos. Escrevi um pouco mais sobre isso - e também sobre essa tentativa de enxergar algo em comum entre todo o Centro-Oeste - na edição nº 66, em abril deste ano.
As novas
Consegui manter alguma constância na escrita desde a última edição até a semana passada. Com isso, consegui concluir o terceiro capítulo e iniciar o quarto do meu romance. Havia, porém, uma pedra, no meio do caminho: percebi que algumas das músicas da playlist da versão anterior da história, ou ao menos a ordem em que estão listadas, já não combinam com os novos acontecimentos dessa versão. Assim, interrompi temporariamente a escrita para definir a música específica de cada capítulo e refazer a playlist. Logo devo voltar a escrever.
Ainda estou com agenda aberta para serviços editoriais de leitura crítica e leitura sensível. A primeira lida com a estrutura narrativa, as cenas, diálogos e desenvolvimento de personagens; e a segunda trabalha temas comuns a personagens que fazem parte de minorias sociais, com intenção de evitar a perpetuação de estereótipos e ideias nocivas. Eu trabalho especificamente com a representação de personagens negros e/ou bissexuais e narrativas com protagonismo feminino. Peça um orçamento pelo e-mail lethyciadiascontato@gmail.com informando o gênero da história e número de laudas de 2100 caracteres com espaço.
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Li, ouvi e assisti
Continuo lendo Mundo sem fim e gostando bastante, e retomei a leitura de Noite e dia, de Virginia Woolf. Esse último eu estava lendo lentamente desde maio, e acabei deixando um pouco de lado para ler os livros do curso sobre mulheres no horror. Agora estou num ritmo até um pouco melhor do que antes, porém achando muito inferior aos outros livros da autora.
Concluí a leitura de Mandíbula, que se tornou um dos livros mais bizarros que já li (e isso não é uma crítica). Uma professora dodói da cabeça; seis - não quatro, ao contrário do que disse na última edição - adolescentes se desafiando a fazer coisas cada vez mais perigosas; sexualidade aflorada; e um círculo social completamente conservador foram os ingredientes dessa receita, tudo misturado numa prosa muito instigante.
Também concluí A Mariana errada e, prosseguindo com as leituras de não-ficção para pesquisa, estou lendo Sociologia do negro brasileiro, de Clóvis Moura. O autor critica visões e textos clássicos das Ciências Humanas no que se refere a raça e faz uma ligação entre questões estruturais da nossa sociedade e as vidas de pessoas negras, do período Colonial ao século passado. Assim como Tornar-se negro, é um livro com 40 anos de existência, porém ainda muito atual. Está no Kindle Unlimited.
(Sempre lembrando que não posso enviar links afiliados por e-mail, então, se você se interessou por qualquer livro recomendado aqui, pode adquiri-los pela Amazon usando meu link através do linktree, ou então pode acessar a versão web desta edição ou o app do Substack para clicar nos links específicos. Se não está lendo por e-mail, não se preocupe, pode clicar à vontade. Cada compra feita a partir disso gera pra mim uma pequena comissão que me ajuda a continuar escrevendo.)
Ouvi dois episódios dos podcast Mano a Mano porque os convidados eram pessoas que eu acho que ouviria em qualquer lugar: Gilberto Gil e Conceição Evaristo. Eu nunca tinha ouvido o podcast do Brown e gostei bastante, mas não sei se vou acompanhar. E na Encruza Criativa, de Eric Novello, conheci um livro de contos em que religiosidade, impactos ambientaius e a violência do capitalismo se encontram. Estou falando de Corpos benzidos em metal pesado, de Pedro Augusto Baía, que no episódio mais recente do podcast fala sobre a construção das histórias e quais horrores da vida real as inspiraram.
Na semana passada, é claro, me concentrei em assistir à segunda temporada de Heartstopper, que está tão linda e sensível quanto a primeira, porém novas questões sendo trabalhadas nos arcos dos personagens. Antes disso, terminei de ver Sandman pela Netflix.
De filmes, destaco o domentário Fio do Afeto, que conta as histórias de mulheres que encontraram na costura e no bordado uma fonte de renda, a melhoria da própria autoestima, uma forma de desenvolver suas capacidades, afetividades e consciência social e coletiva. Achei lindo perceber isso. Está disponível no Globoplay.
Por hoje, é isso.
Um abraço,
Lethycia
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