Edição extra
O brilho do sol
Saímos de casa atrasadas, depois do que pareceram horas nos arrumando em conjunto. Foi como nos velhos tempos, antes de cada um ter seu emprego e suas contas para pagar, quando saímos juntas com muito mais frequência. O rolê começava horas antes do combinado, porque marcávamos de nos encontrar na casa de uma de nós, levando nas mochilas tudo o que precisávamos, e aí nos arrumávamos juntas. Uma ajudando a outra a modelar o cabelo, ajeitar um delineado, subir o zíper de um vestido ou de uma saia, brigar por um acessório que a outra catava para usar sem pedir permissão, emprestar uma blusa mais decotada ou um cropped mais novo.
Dessa vez foi exatamente assim, parecia mesmo que tínhamos voltado ao passado. E ao mesmo tempo, era tudo diferente. Bruna ainda estava nas idas e vindas com aquela ficante por quem era perdidamente apaixonada, por quem passava noites em claro ou madrugadas chorando, mas nenhuma das duas queria rotular o relacimento de namoro. Nanda estava recém solteira, atirando para todos os lados, e ela e Carol competiam para beijar mais durante os quatro dias de festa. Pedro ainda nem conhecia Johnatan, Maycon era o então novato do nosso grupo e estávamos todos zuando com sua mania carioca de chamar nossas saídas de “rolé”.
E talvez o que nos tivesse feito tanto querer nos divertir fosse o fato de que agora tudo era diferente. Foi no Carnaval de dois atrás que conheci aquele idiota do meu ex, e só depois do último Carnaval que chutei a bunda dele. Só então pudemos voltar a nos reunir, porque ele tinha, pouco a pouco, afastado quase todos os meus amigos. Todos, menos Carol, que assim como eu também é bissexual. O babaca tinha a fantasia de um dia ver nós duas nos pegando. Filho da puta. Eu já beixei quase todos do nosso grupinho, e Carol beija muito bem, mas não nos tornamos amigas para satisfazer os fetiches de homens cis-hétero.
— Ei, Alana! Tá viajando, gata? — Nanda me chama quando o elevador chega ao nosso andar, e damos a sorte de estar vazio.
Entramos todas juntas e tiramos uma selfie que se torna uma confusão de brilho, reflexos e cores dos arquinhos, fitas, lantejoulas, gliter e pompons das nossas fantasias. O dourado do meu rosto está perfeito, e vendo isso, tiro uma nova foto, dessa vez sozinha, no saguão do prédio. Envio imediatamente para Dom com a legenda “Cadê minha lua para complementar esse sol?”
Insistimos de todas as formas nas últimas semanas enquanto pesquisávamos em quais bloquinhos ir, mas ele recusou com veemência. Não binário teimoso. Correspondendo ao estereótipo da pessoa tímida que gosta de ler, Dom preferiu ficar em casa maratonando suas séries ao invés de farrear com a gente e tornou inútil os shorts e a camiseta prateados, assim como o arquinho de crescente e estrelas que comprei para que usasse. Mas eu devia ter imaginado: ele não é mesmo de curtir muvuca e bagunça. Até hoje me surpreende termos nos reencontrado meses atrás em plena Parada LGBT.
Ele responde em apenas alguns segundos: “O sol brilha por si mesmo, não precisa da lua pra nada. Você ta linda. Aproveita!”. E eu vou. Que alegria ter um relacionamento normal com alguém que respeita seu direito de se divertir, mesmo não indo junto. É, Alana. Você foi de 0 a 100 numa escala de escolha de namorades.
Bruna me apressa e eu me junto ao grupo novamente. No metrô já encontramos outras pessoas tão animadas quanto nós, e parece que a festa começa ali mesmo. As últimas da Pablo Vittar estouram no volume máximo de uma JBL, e nossa falta de vergonha para mexer a raba mesmo nos segurando no corrimão incomoda uma galera careta: eles se afastam para outro vagão, com cara de despeito.
Encontramos os meninos na catraca da nossa estação. Eles também combinaram de se encontrar na casa de quem morava mais perto para facilitar a saída. Trocamos beijinhos, combinamos um ponto de encontro seguro caso alguém se perca, cada um tira o próprio celular do silencioso para ouvir possíveis ligações, e saímos.
A rua já está cheia de gente alegre, animada, divertida. Vejo fantasias tão elaboradas quanto uma produção de cosplay e também as improvisadas, com plaquinhas penduradas no pescoço explicando do que a pessoa se veste. Ainda bem que sempre fui criativa na hora de montar para qualquer festa. Hoje vim de Sol, estou aqui para brilhar.
Olá, pessoas que leem!
Espero não ter assustado vocês com uma news chegando aos seus e-mails em plena segunda-feira, apenas alguns dias depois da nossa última edição. Ainda mais com uma voz tão diferente da minha própria, assim do nada, pa-pum. Sem nenhuma explicação.
É que o grupo de autores de newsletter do qual eu participo no Telegram decidiu fazer uma brincadeira parecida com aquela das cartas do fim do ano passado. Para sairmos num Bloco de Carnewsval online, cada um teria a liberdade de vestir sua própria fantasia em um texto carnavalesco, para publicar hoje mesmo, 13 de fevereiro.
Decidi me fantasiar de Alana, uma personagem que é meu oposto em quase tudo e que já vem sambando na minha mente desde novembro. Extrovertida, festeira, desibibida, inimiga do fim. Ela jamais passaria quatro dias de folga colocando as leituras em dia. Se tiverem gostado de conhecê-la, em breve poderão reencontrá-la numa história um pouco maior.
Foi divertido vestir a pele dela. Ser outra pessoa, ainda que só por alguns parágrafos. É que eu sou daquelas que nessa data comemorativa só gostam do feriado, e que fogem de festança porque não têm energia para pular Carnaval. Ano passado escrevi uma news inteira sobre gostar de Carnaval na teoria, e pra quem quiser ler, eu recomendo.
Se você está recebendo por e-mail, já é de casa. Se chegou até este post pelas recomendações do Substack, quero te convidar a ficar mais, conhecer esse espaço pessoal de escrita e surtos quinzenais pelas ediçoes anteriores pra ver se gosta do que tenho compartilhado aqui.
Já vou encerrar, porque a intenção era mesmo de fazer uma edição mais curtinha. Na quarta-feira da semana que vem (22), eu retorno com a edição nº 62 de Uma mulher que escreve.
Um abraço,
Lethycia
Meus livros | Links importantes | Entre no meu canal do Telegram
Uma mulher que escreve é um espaço pessoal para registro de processo criativo e reflexões sobre escrita, literatura e arte em geral. Se gostou deste texto, compartilhe em suas redes sociais, leia edições anteriores ou se inscreva na newsletter para receber mais!
Caso se interesse em colaborar financeiramente comigo, considere usar o link a seguir: cada compra feita na Amazon dessa forma gera pra mim uma pequena comissão que me ajuda a continuar escrevendo!
Nossa, que saudades desse clima de carnaval! Esse ano aqui vai ser carnaval de leituras em dia, mas Alana me representa demais (inclusive tendo conhecido um ex na folia). Ansioso pela história mais longa com essa moça solar!
Eu adorei sua história, a mais legal até agora (não espalha!).