Foi você que escreveu? Que bonitinho! - Uma mulher que escreve #85
Escrita, silenciamento e inferiorização de mulheres na literatura - e uma dica de leitura para o 8 de março
Olá, pessoas que leem!
Quando criei uma esta newsletter, lá no final de 2020, eu tinha um objetivo além de enviar textos periódicos para pessoas que gostam de me acompanhar online. Além de começar a produzir um tipo de conteúdo que eu já gostava muito de consumir. Além de manter viva a centelha dentro de mim que me dava vontade de escrever textos despretensiosos em algum lugar onde alguém pudesse ler.
Eu estava imersa no planejamento da publicação de Elas Falam Por Si, o meu livro de não ficção com as histórias de cinco escritoras que nasceram ou viveram em Goiás. Um livro que fala, principalmente, de como o amor pela escrita e pela literatura movimenta as nossas vidas e como esse movimento é atravessado pelas barreiras impostas a nós mulheres. Assim, era importante que eu me afirmasse enquanto alguém que fazia aquilo que, para mulheres, foi tão pouco autorizado por muito tempo.
Daí o nome Uma mulher que escreve. Ouvir as histórias daquelas cinco mulheres, registrá-las, torná-las algo além da minha própria memória e interpretação, fazer algo público. Sempre me incomoda pensar em quantas mulheres não puderam sequer ser ouvidas ao longo da nossa existência no mundo.
E ali estava eu, abrindo uma nova portinha no mundão da internet para escrever um pouco do que pensava, como sempre tive a necessidade de fazer.
A proximidade do Dia Internacional da Mulher sempre me deixa pensativa sobre a importância de escrever e não me deixar silenciar - ainda que eu escreva para muito pouca gente ler, e é disso que vamos falar hoje.
Eu tinha 18 anos e estava no meu primeiro semestre na universidade quando ouvi falar pela primeira vez sobre o quanto o foco da mídia e da sociedade é dirigido para o lugar errado no dia 08 de março. Por um dia no ano, tudo é cor de rosa, nós somos lindas e ganhamos flores. Nos outros 364 dias (ou 365, já que estamos em ano bissexto), tome acúmulo de funções domésticas, imposição da maternidade, desigualdade salarial, assédio e feminicídio.
As pessoas não te ouvem, não te levam a sério - nem outras mulheres - e se você faz algo que te coloca em evidência de alguma forma, todos sempre vão estar mais preocupados com a sua aparência, o seu envelhecimento, com quem você se relaciona ou não do que com o seu trabalho.
Enquanto tudo isso acontece, eu continuo escrevendo. Mas nunca deixo de me indignar e de observar como até na escrita, esse trabalho ao qual se atribui tão pouco valor, esse tipo de questão também se faz presente. Basta pensar na quantidade de portais de notícias preferindo usar imagens de Annie Ernaux jovem, ao invés de imagens atuais, quando ela, aos 82 anos, recebeu o Nobel de Literatura em 2022.
Apesar da notoriedade desse caso, não preciso ir muito longe.
Estou acostumada a receber dois tipos de reação quando as pessoas descobrem que sou escritora, ou quando eu era mais jovem e dizia que queria ser escritora. A primeira era de muita empolgação e surpresa, e às vezes vinha acompanhada de suposições sobre a minha inteligência. Isso normalmente vinha de pessoas não habituadas à leitura, que veem livros como algo em que poucos podem tocar e não fazem ideia de como se faz para trabalhar com isso. Já a segunda, normalmente vinda de pessoas com um pouco mais de instrução formal ou conhecimento acadêmico, continha um “Que interessante!” ou “Que bom!” ou “Dá pra ver que você vai mesmo”, às vezes com um tom de ironia ou descrença. Às vezes também vinham perguntas sobre quantos livros eu já tinha publicado, ou em quais livrarias os meus livros podiam se encontrados.
Ambas as reações me incomodavam, e com o tempo, aprendi a deixar essa parte da minha vida um pouco mais “em off” para evitar as duas. Às vezes somos nós mesmas que nos impomos o silêncio.
Mas depois de passar um longo período sem escrever por diversão ou por inspiração e ainda assim ter me dado conta do quanto essa atividade era essencial para mim, e depois de ter ouvido uma pergunta que mudou a minha forma de encarar a minha vontade de me apropriar da escrita, meio que parei de me incomodar com o que os outros pensam e passei a dizer: sou escritora mesmo, vou fazer isso mesmo, é disso que eu gosto mesmo e nada disso vai me impedir.
Eu já tinha parado de esperar por uma Grande Ideia que me tornaria a nova [insira o nome de qualquer escritora consagrada] e estava encontrando meu estilo próprio. Perceber que a autopublicação digital era o caminho mais rápido e mais viável para colocar minhas histórias no mundo deu um balanço nas expectativas. Me ver numa comunidade de autores que escreviam histórias contemporâneas com protagonismo de minorias sociais para público jovem foi outra mudança de perspectiva.
Se para as escritoras famosas, que publicam títulos e mais títulos de romances, fantasias e comédias românticas lidas majoritariamente por outras mulheres, já havia um rótulo negativo de fútil, pouco importante ou só para mulheres, fico imaginando que tipo de qualificativo sobraria pra mim, escrevendo histórias sobre mulheres negras, não-hétero e publicadas só em formato digital, o que por si só já faz as pessoas questionarem por que precisam pagar por algo que não podem tocar.
O que não abala a importância que dou ao meu próprio trabalho. Ao longo dos quatro anos de publicação de Mesmo que eu vá embora, recebi inúmeras mensagens de leitoras me dizendo o quanto tinham se identificado com os sentimentos de Camila por Helena e com o relacionamento delas. Eu nunca havia encontrado um livro com protagonista que fosse bissexual, negra e demissexual, então, escrevi Antes que as dores te sufoquem.
Cada uma das minhas histórias publicadas de 2019 até aqui foi escrita com a consciência de que eu estava dando a pessoas como eu uma forma de se ver nos livros. Eu acredito em cada uma delas. Não estou preocupada em escrever um livro que um dia seja considerado universal e eterno por acadêmicos, até porque as pessoas que nunca foram tão representadas na ficção quanto agora têm, muitas vezes, temas que também estão presentes na literatura canônica. O amor, a solidão, a descoberta da própria identidade, a efemeridade da vida, tudo isso também é experimentado por minorias.
Por isso eu sigo escrevendo meus “livrinhos”, só em formato digital sim, protagonizados por mulheres, quase sempre negras, com romance sáfico e clichês de comédia romântica. Esse tipo de história também faz com que as pessoas saibam que não são as únicas no mundo a se sentirem da forma que se sentem. E pra mim, é isso que importa.
As minhas entrevistadas em Elas Falam Por Si também se depararam muitas vezes com a inferiorização daquilo que escreviam. Fosse por sua origem, pelo tipo de linguagem que escolhiam, pelo suporte de publicação, pelas personagens ou temas. A história de cada uma demonstra como elas encontraram, cada uma à sua maneira, uma forma de contornar o silenciamento e a ridiculizarização para continuar vivendo e respirando literatura.
Conheça essas histórias comprando ou alugando o e-book de Elas Falam Por Si.
Assuntos relacionados em edições anteriores
Promoções e Leitura Coletiva
Na próxima semana, de 11 a 18 de março, acontece a Semana do Consumidor da Amazon. Outra daquelas promoções grandes em que a gente pode esperar por descontos em vários departamentos, ofertas dos Dispositivos Kindle, Ofertas Relâmpago e muito livro barato!
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Eu, se fosse você, não perderia nada!
Li, ouvi e assisti
Terminei de ler Amélia Sem Filtro e Sal e Açúcar. O primeiro é um romance sáfico contemporâneo dividido em duas linhas do tempo. No início acompanhamos Amélia em uma viagem inesperada com sua mãe para uma cidade onde ela conhece mulheres muito diferentes do seu círculo de convivência, incluindo Bárbara, uma garota muito livre e cheia de opiniões. Após a metade da história, vemos o reencontro das duas, anos depois. Sal e Açúcar me deu tudo o que eu esperava enquanto um roamnce haters to lovers (dá pra considerar enemies to lovers se as famílias dos dois brigam o tempo todo?). Contei um pouco mais sobre esse livro na edição anterior.
Estou chegando ao final de Número Zero, e essa semana comecei a ler pelo Kindle O caminho que me leva até você, um romance de Tayana Alvez entre uma repórter e um piloto de fórmula 1 que já foram namorados e agora se encontram após cinco anos, quando ambos conseguiram realizar o próprio sonho.
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Passei dias ouvindo a playlist dark academia - study and reading instrumentals, que só tem música instrumental. Agora, estou concentrada em ouvir repetidamente os álbuns do Jão, pois estou com ingresso comprado para o show da Superturnê em Brasília.
Na minha maratona do Oscar, Nyad me impressionou com a persistência chocante de uma ex-atleta que se desafia a atravessar a distância entre Cuba e a Flórida a nado, aos 60 anos de idade, e consegue na quinta tentativa. Está na Netflix. O menino e a garça é uma beleza só. Pobres criaturas já é um dos meus favoritos da temporada. Ficção Americana é uma história cheia de ironia sobre o mercado literário e o tipo de história contada e protagonizada por pessoas negras que as pessoas brancas normalmente querem consumir. Esse aqui ta no Prime Video.
Os filmes que não citei onde estão, foi porque vi pelos “meios alternativos”.
Por hoje é isso.
Um abraço,
Lethycia Dias
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