Manual do escritor brasileiro - Uma mulher que escreve #65
Coisas que parecem crimes quando feitas por escritores brasileiros, mas se for gringo, ta tudo bem
Olá, pessoas que leem!
Quero dar as boas-vindas aos novos assinantes que chegaram pela última edição. Gostei muito de ter contado aquela história e de saber que ela foi legal pra vocês.
A edição de hoje passou algumas semanas no meu bloco de notas. Ela nasceu de um cansaço compartilhado entre todo mundo que eu conheço que já escreve há algum tempo. Se você está nas redes sociais, já deve ter notado que existem dois pesos e duas medidas para literatura brasileira e literatura estrangeira. E pra gente, a crítica é sempre impiedosa.
Confiram abaixo Tudo que o escritor brasileiro não pode fazer, mas pra escritor gringo ta liberado.
Aviso de conteúdo: este texto contém exagero, ironia e sarcasmo.
O escritor brasileiro não pode escrever livros ambientados em outros países. Assim desvaloriza a cultura brasileira!
Também não pode escrever personagem brasileiro vivendo no exterior. Tem que amar o Brasil!
O escritor brasileiro não pode criar personagens com nomes como Michael, Stephany, William, Emily ou Patrick, mesmo que esses nomes sejam usados no Brasil, de forma adaptada ou não. Ta americanizando!
O escritor brasileiro não pode usar palavras típicas da variação linguística de onde sua história é ambientada. Como o leitor vai entender?
O escritor brasileiro não pode cobrar muito caro pra vender um livro. Isso é coisa de mercenário!
O escritor brasileiro não pode divulgar os próprios livros. Ta querendo o quê, alcançar os leitores?
O escritor brasileiro não pode usar técnicas de marketing. Tem que implorar pra ser lido!
O escritor brasileiro não pode fazer sucesso. Se ta vendendo bem, deve ser ruim!
O escritor brasileiro não pode querer ser reumunerado pelo seu trabalho. Arte tem que ser por amor!
O escritor brasileiro não pode fazer amizade com outros escritores. Isso é criar panelinha!
O escritor brasileiro não pode reclamar de dificuldades para publicação quando faz parte de alguma minoria ou vive no Norte, Nordeste ou Centro-Oeste. É só inveja!
O escritor brasileiro não pode usar linguagem coloquial em um livro. Ta desrespeitando a norma culta!
O escritor brasileiro não pode fazer seus personagens falarem gírias e palavrões, mesmo que isso faça sentido na ambientação da história. É feio!
O escritor brasileiro não pode cometer erros de escrita em posts de redes sociais. Quer escrever livro sem ter decorado a gramática inteira?
O escritor brasileiro não pode mencionar em sua história nada que seja diferente da realidade que o leitor conhece. Ta americanizando de novo!
O escritor brasileiro não pode escrever história triste. E a saúde mental dos leitores?
O escritor brasileiro, se fizer parte de uma minoria, não pode criar personagens que não sejam de minorias. Cadê a representatividade?
Também não pode criar personagens de outras minorias. Ta ocupando espaço dos outros!
O escritor brasileiro não pode escrever sobre algo que ele não vive ou conhece. Nem existe aquilo que chamam de pesquisa!
O escritor brasileiro não pode ser muito ativo em redes sociais. Ta querendo ser influencer!
Também não pode sumir, né? Quem não é visto não é lembrado!
Não pode responder resenhas e comentários de leitores. Ta invadindo o espaço deles!
Mas não pode deixar de responder nenhuma interação virtual. Ta desprezando os leitores!
O escritor brasileiro não pode preferir que as pessoas comprem ou aluguem seu livro. Ta sendo elitista!
Não pode nem reclamar de pirataria. Vão piratear o livro dele!
O escritor brasileiro não pode comentar suas preferências na hora de construir personagens, planejar a narrativa ou mesmo escrever. Quem faz diferente ta errado!
O escritor brasileiro não pode compartilhar dicas ou técnicas de escrita. Ta querendo cagar regra!
O escritor brasileiro não pode criar personagens intecionalmente preconceituosos sem que outro personagem corrija imediatamente a fala preconceituosa. Não ta educando os leitores!
O escritor brasileiro não pode escrever histórias com violência, assassinato, crimes, cena de sexo, vilão que não é punido ou final triste. É imoral!
O escritor brasileiro não pode comemorar as próprias conquistas. Ta perdendo a humildade!
O escritor brasileiro não pode publicar na gringa. Não valoriza o mercado brasileiro!
O escritor brasileiro não pode postar nas redes sociais um trecho de uma história sem aspas enormes e um alerta de ISSO É O TRECHO DE UMA HISTÓRIA! Vai incomodar os usuários da rede social que não são leitores.
O escritor brasileiro não pode estudar escrita. Tem que ter talento!
O escritor brasileiro não pode cobrar para ensinar o que sabe. Ta virando coach!
O escritor brasileiro não pode usar o estilo de capa que funciona no gênero que ele ta publicando. Capa com gente é feio! Homem sem camisa é brega! Ilustração é infantil!
O escritor brasileiro não pode fazer referências de cultura pop. É chato!
O escritor brasileiro não pode mencionar redes sociais ou aplicativos em histórias contemporâneas. Fica datado!
O escritor brasileiro não pode atrasar prazos de entrega do livro físico independente, mesmo se estiver sendo transparente quanto ao processo e tiver enfrentado problemas com a gráfica ou a transportadora. Se o livro não é importado, por que ta demorando tanto pra chegar?
O escritor brasileiro não pode escrever livro com final aberto. Os leitores precisam saber o que aconteceu!
O escritor brasileiro não pode escrever história clichê. Precisa inventar a roda.
O escritor brasileiro não pode usar linguagem direta e simples em histórias contemporâneas. Cadê a preocupação com a forma?
Também não pode preferir uma escrita poética ou uma narrativa não-linear. Ninguém gosta de livro cabeçudo!
O escritor brasileiro não deixa o leitor com vontade de ler. Só é lido porque o leitor resolveu dar uma chance.
O escritor brasileiro não pode publicar um livro simplesmente bom. Precisa de uma narrativa revolucionária, um personagem como nunca se viu antes, a edição mais bonita possível - porém barata - e sem um único erro de revisão. Só escritor gringo tem o direito de ser apenas ok.
O escritor brasileiro não pode decepcionar o leitor. Um único livro brasileiro ruim é capaz de representar toda a literatura brasileira, confirmando o que o leitor já sabia: livro nacional não é bom!
Brasileiro, na verdade, nem deveria escrever. Tudo que escritor brasileiro faz é errado.
Três avisos
A editoria de novidades da news está quente dessa vez!
Em primeiro lugar, venho avisar que o conto que eu terminei de escrever em janeiro e editei no mês passado será publicado em junho, numa antologia com histórias de oito autoras brasileiras.
Para essa publicação, estamos com uma seleção de parceiros aberta! Pessoas que criam conteúdo literário em qualquer rede social podem se inscrever para receber uma cópia antecipada do livro e colaborar com a nossa divulgação, além de participar de um sorteio especial entre os parceiros! Se você fala de livros no Instagram, no Twitter ou no Tiktok e gosta de girlbands e de histórias com protagonismo sáfico e easter eggs, você pode se increver neste formulário até o dia 08 de abril.
Meu segundo aviso é que amanhã (06 de abril) é o Dia Internacional da Assexualidade (DIA) e que eu tenho um livro com protagonista assexual. Antes que as dores te sufoquem foi minha última publicação e acompanha a jornada de Tarsila desde sua adolescência até o momento em que enfrenta o maior dilema de sua vida, quando sua irmã mais velha morre e ela se vê obrigada a cuidar das coisas deixadas por quem a rejeitou. Está publicado na Amazon e disponível no Kindle Unlimited.
E por fim, venho avisar também que meu livro de não ficção, Elas Falam Por Si, foi selecionado para entrar numa das promoções oficiais da Amazon, e que estará em oferta por R$ 5,99 entre os dias 09 e 16 de abril. Se você me viu comentando sobre as histórias reais de escritoras contemporâneas que eu conto nesse livro e ficou com vontade de ler, mas ainda não pôde, aproveite para comprar durante a semana que vem!
O que li, ouvi e assisti
Terminei de ler A terceira vida de Grange Copeland e fiquei satisfeita com o final que a história teve. Pelo rumo que as coisas tiveram desde o início, não poderia ter acabado de outro jeito. Gostei tanto que adicionei outros livros de Alice Walker na minha lista de desejados. Antes, eu só tinha lido o clássico A cor púrpura e os ensaios de Rompendo o silêncio.
Decidi reler Os pilares da terra, um romance histórico em forma de calhamaço que eu li 9 anos atrás. O livro retrata um período bastante conturbado de disputa pelo trono, conspirações políticas e guerras na Inglaterra medieval, paralelamente à construção de uma catedral gótica. Acompanhamos tudo isso pelos olhos de um monge, um pedreiro, uma filha de um nobre condenado por traição e outros personagens. Eu lembrava de gostar bastante da história, e embora já tenha me irritado com algumas coisas, continuo bem empolgada conforme vou lembrando dos acontecimentos.
No momento, também estou lendo O nome dela é Sophia, um romance sáfico de Vanessa Freitas, e A vida não é útil, com ensaios de Ailton Krenak.
Terminei de ver Daisy Jones And The Six e, entre os filmes que vi nas últimas duas semanas - vários deles a dias de serem removidos dos streamings em que estavam - dou destaque para A pele que habito. Eu tinha curiosidade com esse filme desde quando vi a miniatura pela primeira vez na Netflix anos atrás, mas deixei pra assistir depois e saiu do catálogo. No domingo, dei play sem ter lido a sinopse - já estava na minha lista por ser do Almodóvar - e fiquei horrorizada com o plot. Isso quer dizer que eu gostei. Muito. Está disponível no Hbo Max.
Estou viciada em MENTA COM CHÁ, um single do álbum Reversa, de Carol Biazin, lançado este ano. Ouvi músicas dela pela primeira vez nessa playlist que tem uma imagem de capa genial. Nesse álbum e também nos clips que já foram lançados, ela continua servindo tudo com letras sobre relacionamentos entre mulheres. Enfim: é bom demais ser bi!
Eu fico por aqui!
Um abraço,
Lethycia
Meus livros | Links importantes | Entre no meu canal do Telegram
Uma mulher que escreve é um espaço pessoal para registro de processo criativo e reflexões sobre escrita, literatura e arte em geral. Se gostou deste texto, compartilhe em suas redes sociais, leia edições anteriores ou se inscreva na newsletter para receber mais!
Caso se interesse por algum livro recomendado aqui, considere comprar pelos links deixados no texto: cada compra feita na Amazon a partir dos meus links gera pra mim uma pequena comissão que me ajuda a continuar escrevendo!
Esse é um dos motivos que me fez decidir deixar o Twitter. Comecei a perceber que aquilo ali estava minando minha escrita e apenas aumentando minha ansiedade. Fiquei diante de um dilema: se continuasse lá, não escreveria mais, porém, saindo de lá, não conseguiria divulgar meus livros. No final, acho que é melhor escrever sem ser lida do que ficar lá e não escrever nada.