Mas por que um assexual namoraria com você? - Uma mulher que escreve #87
Até um pedaço de bolo pode ser mais interessante do que uma pessoa allo que só fala bobagem - ou discussões cansativas sobre assexualidade na internet
Olá, pessoas que leem!
No próximo sábado (06), é celebrado o Dia Internacional da Assexualidade (DIA), e resolvi falar desse assunto aqui pela primeira vez.
Quando me entendi como uma pessoa no espectro da assexualidade (mais especificamente, demissexual), uma parte significativa da minha vida passou a fazer sentido de um jeito de que nunca tinha feito antes. E ao encontrar outras pessoas que tinham uma trajetória parecida com a minha - isto é, passar muito tempo sem compreender a si mesmas, até descobrir que havia um nome para como se sentiam e se comportavam - eu passei a lamentar o quão pouco se falava de assexualidade.
Hoje, a assexualidade é pra mim um daqueles assuntos sobre os quais eu adoro falar com outras pessoas que entendem dele, mas detesto que a conversa chegue nas pessoas desinformadas que não, não estão interessadas em aprender.
Existem alguns assuntos amaldiçoados pela internet. Sempre que alguém lembra que eles existem, a coisa começa até legal, pessoas dão seus relatos, gente bem intencionada fez perguntas genuínas e recebe respostas adequadas, mas em algum momento começa um chorume tão grande de gente que não sabe do que está falando ou que simplesmente quer ser cínica e desonesta, que todo mundo termina estressado, sendo atacado gratuitamente e bloqueando um monte de pessoas.
Com a assexualidade, costuma ser assim: ouvimos idiotice de pessoas alossexuais (o contrário de quem é ace); de conservadores que não gostam de nada que não seja exatamente igual a eles; de pessoas LGBTQIAP+ que acham que o A na sigla é de aliado ou que se sentem no direito de dizer quem pode ou não fazer parte da comunidade; de pessoas religiosas que acham que são como a gente só porque têm medo de conhecer os próprios desejos; de pessoas do “essa juventude de hoje fica inventando opressão pra se sentir parte de um grupo”, junto com as do “no meu tempo que era bom porque não existia nada disso”; e por aí vai…
Eu normalmente não tenho paciência pra esse tipo de discussão. Quando coisas assim chegam na minha timeline, só compartilho alguma resposta inteligente dada por alguém que eu sigo e bloqueio os idiotas.
Acho engraçado como invariavelmente, no meio das discussões virtuais sobre assexualidade na internet, sempre surge alguém pra dizer que nunca conseguiria namorar um assexual, porque considera sexo uma coisa indispensável num relacionamento. Como se toda pessoa ace fosse repulsiva a sexo* ou existissem um monte de aces interessados na pessoa, só esperando que ela dê uma chance.
Por isso gosto muito da pergunta-resposta: “Você acha que um ace namoraria com você?”. Às vezes, tudo o que algumas pessoas precisam é baixar um pouco a bola.
Os anos de trocas com outras pessoas ace, além dos livros que li com esse tipo de vivência, me levaram a entender que, se ser gay, lésbica, bi ou pan diz respeito a com quem você vai sentir afetividade, atração e desejo sexual; ser assexual, demissexual, arromântico e outras variações do espectro ace, diz respeito a como você vai sentir essas três coisas.
E se a nossa sociedade normatiza com quem as pessoas devem se relacionar de acordo com o gênero delas, como devem desenvolver e manifestar afetos, vivenciar seus relacionamentos e como ou com que frequência fazer sexo, a assexualidade, enquanto um termo guarda-chuva para diversas vivências que divergem disso, é sim uma orientação sexual não normativa. Nada mais justo que estarmos junto com as outras pessoas que, ao longo do tempo, também foram taxadas de esquisitas, doentes, pecadoras, desviantes, sujas, indesejáveis, inadequadas ou quebradas. O A é de assexual, e ter uma opinião contrária não muda isso.
Com quem uma mulher negra, bi e ace namoraria
Quando a escritora Dayane Borges decidiu reunir outros escritores assexuais para criar uma coleção de histórias com protagonismo assexual para serem publicadas uma por mês, eu pensei muito naquilo que gostaria ou que não gostaria de fazer na história que escreveria para integrar os Espectros de roxo e cinza.
De uma coisa eu sabia: eu não queria escrever um conto young adult (ou jovem adulto, em português), para não reforçar uma das ideias mais incômodas sobre assexualidade, a de que essa é uma “orientação sexual de adolescente querendo chamar atenção”.
Acredito que todas as histórias sobre pessoas LGBTQIAP+ são válidas, até porque ainda não há histórias suficientes para contemplar todas as nossas vivências. Com a assexualidade, existem ainda menos. Mas na época, eu estava sentindo falta de narrativas com pessoas LGBTQIAP+ adultas, vivendo os conflitos típicos de sua respectiva faixa etária enquanto exercem sua sexualidade ou até mesmo se descobrindo depois de certa idade que é considerada “mais comum”.
Acabei me baseando muito nisso para criar a Tarsila, minha protagonista na novela Antes que as dores te sufoquem. A história acompanha Tarsila desde os 14 anos, em flashbacks ocasionais, até o ano de 2020, quando ela tem 31 anos, no momento presente da narrativa. Criada em um ambiente conservador e heteronormativo, Tarsila sequer sabe que existem palavras para nomear o que ela é, e só entende as suas experiências com homens e mulheres e a sua relação com o sexo quando conhece e passa a conviver com outras pessoas da comunidade LGBTQIAP+.
E depois de realmente se conhecer, ela enfim se permite viver coisas que nem sabia que estava autorizada a viver. Deixo um trechinho pra vocês:
E eu vivo. E amo. Sinto coisas intensas que pensei que não merecia, que pessoas como eu não poderiam viver. Mas somos pessoas, afinal de contas: nós vivemos, sonhamos e amamos, e não temos culpa se o mundo estabeleceu formas e padrões em que não nos encaixamos.
Eu já tinha lido várias histórias com personagens assexuais quando criei a Tarsila, mas tinha encontrado poucos que fossem demissexuais, isto é, que sentissem a atração e desejo sexual de forma condicionada ao estabelecimento de uma ligação com outro indivíduo. É mais ou menos assim que eu me compreendo no espectro da assexualidade, e como ainda não havia encontrado um livro em que a protagonista fosse, além de demi, também bissexual e negra, decidi que Tarsila seria exatamente assim, como eu.
Indo além dos estereótipos sobre pessoas ace sempre odiarem sexo ou da ideia mal interpretada de que uma pessoa demi precisa estar apaixonada, fiz com que Tarsila passasse por vários relacionamentos ao longo do tempo: namoros monogâmicos, relacionamentos casuais, ficadas de uma noite - com homens, mulheres, pessoas não binárias e de gênero fluido, e por fim, um casamento com uma mulher cis - não porque eu achasse que ela precisasse “parar” com as práticas anteriores, mas porque achei que minha protagonista merecia um amor que quisesse permanecer na vida dela.
Se você gostou de saber um pouco sobre a Tarsila, você pode acompanhar o processo dela de autodescoberta - intercalado com o pior momento da vida dela - lendo Antes que as dores te sufoquem. E sim, está disponível no Kindle Unlimited.
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Gostou de saber de tudo isso? Que tal deixar um comentário lá embaixo? Vou ler e responder assim que puder!
As últimas
Estou quase completando um mês sem escrever, e nada contente com isso.
Na semana passada, me deparei com a necessidade de cortar do manuscrito um diálogo que era impossível caso a história se passasse no ano de 2017, como eu havia definido anteriormente. Minhas personagens falavam de uma conhecida jornalista brasileira que, durante anos, postou tweets diários contando quantos dias haviam se passado desde a morte de Marielle Franco e questionando quem havia mandado matá-la. É como se elas estivessem prevendo o futuro, já que Marielle teve sua vida interrompida em 2018.
Além de encarar a vergonha de ter cometido um erro tão grosseiro na linha do tempo, levei dias até perceber que aquele diálogo era fundamental para que as minhas personagens percebessem que partilhavam de uma mesma consciência política e se importavam com o mesmo tipo de questão social. Era indispensável falar disso, mas manter a ambientação da história no ano de 2017, não. Quem mudou foi o ano. Agora o haters to lovers universitário acontece em 2019, e a menção a Marielle e à jornalista permanecem.
Acontece que pouco depois de ter desatado esse pequeno, porém incômodo nó, me deparei com outro bem maior. Percebi como as coisas aconteciam de forma acelerada a partir de certo momento na história, com vários acontecimentos cruciais se desenrolando em sequência, num mesmo dia - incluindo o momento em que minhas personagens entendem que não, elas não se odeiam e sim, parte do que as fazia brigar o tempo todo era o fato de que queriam se beijar e achavam que não podiam fazer isso.
Era necessário dar uma pausa, um respiro, espaçar um pouco as coisas. Decidi acrescentar dois capítulos na história, colocando 24 horas a mais entre a apresentação do trabalho da minha protagonista e uma falsa denúncia de sabotagem do evento acadêmico feita pelas próprias pessoas que estavam sabotando o evento.
Mas vocês acham que já fiz isso no roteiro? Claro que não! Na minha cabeça já ta tudo ajeitadinho, mas tô numa preguiça danada de ir arrumar tudo isso no arquivo do Word.
Me veja na feira e-cêntrica
No próximo final de semana (06 e 07 de abril), acontece a edição de 2024 da feira e-cêntrica de publicações independentes, organizada pela NegaLilu Editora, em Goiânia-GO. O evento conta com editoras, livrarias, escritores independentes, coletivos, artistas visuais e gráficos como expositores, além de incluir várias atividades como palestras e oficinas.
Estarei lá no sábado a partir das 9h para a oficina de minizine com Marcio Sno, e pretendo ficar o dia todo. Vou levar marcadores de página dos meus livros, então, se você mora em Goiânia e região quiser me ver, bater um papo, ganhar um autógrafo e tirar uma foto, já sabe onde me encontrar!
Eu participo da feira e-cêntrica desde a primeira edição dela, em 2018, e amo esse evento! É também uma rara oportunidade que tenho de me apresentar enquanto escritora fora da internet, então faço questão de aproveitar.
Li, ouvi e assisti
Da última edição pra cá, continuo lendo Racismo Estrutural e A grande chance de Ana Luna. Terminei de ler O caminho que me leva até você e comecei a ler Better than revenge, outro romance de Fórmula 1 escrito pela mesma autora. Nesse aqui, concebido como uma fanfic do Fernando Alonso, temos uma mocinha fã de Taylor Swift que se torna a primeira mulher a correr na mesma equipe de seu ídolo badboy, com quem ela teve um caso seis anos atrás. As coisas não terminaram bem e eles agora se odeiam. E eu to louca pra saber como tudo isso aconteceu!
Entre os dois romances de Tayana Alvez, li por completo Entre a cruz e a espada, de Igraínne Marques, uma releitura contemporânea de O corcunda de Notre Dame (o filme da Disney, não o livro de Victor Hugo), em que Esmeralda é uma bailarina participando pela primeira vez de uma turnê internacional com sua companhia de dança e acaba ajudando a desvendar um grande mistério no Vaticano.
No Spotify, estou desde o dia 27 ouvindo minhas músicas favoritadas em ordem aleatória. Eu gosto de conferir o que o algoritmo vai querer me oferecer.
O podcast História Preta começou uma nova série, dessa vez para falar do Quilombo de Palmares com base em pesquisa feita com fontes primárias, desmentindo os mitos, a desonestidade e as incoerências históricas de outros materiais que tratam do assunto. Ouvi o primeiro episódio essa semana e gostei muito.
Finalmente assisti ao filme da The Eras Tuor da Taylor Swift, que está disponível no Disney+, e foi tão emocionante quanto todos os vídeos dos shows dela que eu assisti quando ela esteve aqui no Brasil. Também vi Os homens preferem as loiras e O pecado mora ao lado, dois filmes com Marilyn Monroe, que encontrei no Star+. O primeiro é super divertido e tem o número musical Diamonds are a girl's best friend (aquele com o vestido rosa e os homens de terno). O segundo filme não é tão bom, mas tem a cena famosa do vestido branco. Eu amo escavar streamings ruins pra encontrar filmes que achava que nunca teria acesso!
Estou assistindo à 8ª temporada de Queer Eye, o único reality que eu gosto. Meu tempo está curto e só consigo ver um episódio por semana, então, não estou com pressa.
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Eu fico por aqui!
Um abraço,
Lethycia Dias
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*Embora a assexualidade seja definida pela ausência de ou pouco interesse em sexo, as experiências variam entre os indivíduos. Pessoas assexuais podem ou não ser repulsivas a sexo (não gostar de forma alguma); enquanto outras pessoas podem gostar de consumir livros, filmes, músicas e outros conteúdos que falem de sexo, mas não gostar de fazer; e outras ainda podem gostar tanto de fazer sexo quanto de consumir ou produzir conteúdos referentes a sexo, embora se sintam atraídas por outras pessoas com pouca frequência.
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