Para falar de coisas feias - Uma mulher que escreve #72
Como me interessei por horror latinoamericano e a história de horror que eu penso em escrever no futuro
Olá, pessoas que leem!
Sei que nem todo mundo abre as edições-extra, então quero novamente dar as boas-vindas às pessoas que se inscreveram nos últimos dias! Espero que gostem de acompanhar essa publicação que é formada por 33% de surtos pessoais, 33% de reflexões sobre literatura e arte em geral e 33% de processo criativo.
Hoje vamos falar bastante de ideias e desejos que tenho para histórias futuras - a longo prazo, pois tenho uma fila bem comprida de ideias que vieram antes para serem escritas.
A primeira newsletter que assinei, em 2018, se chamava Para ler escritoras e era um projeto do site Escrevo Etc*, com a intenção de fomentar a leitura de obras de escritoras contemporâneas. Uma vez por semana, chegava no meu e-mail um conto, crônica ou poema de autoria feminina, e eu adorava. Naquela época, estava começando a ler mais literatura contemporânea e tentando ler mais mulheres, então, era um prato cheio pra mim.
Foi através dessa publicação que conheci Mariana Enriquez. E ela nunca mais saiu do meu radar de leituras.
O penúltimo e-mail enviado pela Para ler escritoras continha o conto As coisas que perdemos no fogo, uma história forte em que mulheres, em resposta à violência cada vez mais frequente a que eram submetidas, passaram a incendiar a si mesmas, em protestos tão chocantes quanto catárticos.
Fiquei fascinada. Naquele mesmo ano, li por inteiro o livro de Mariana Enriquez que tem o mesmo nome do conto, em espanhol, emprestado por um colega do curso desse idioma que eu fazia, que tinha viajado para a Argentina e comprado um exemplar. Depois, adquiri o livro em Português e passei a ficar de olho em qualquer coisa escrita por Mariana Enriquez que chegava ao Brasil. Só muito tempo depois vim a saber que outras autoras de países vizinhos estavam escrevendo coisas parecidas e que o estilo recebia o nome de horror latinoamericano.
Algumas características do horror latinoamericano são a hipérbole do real e do grotesco; a ruptura com o que é real ou um estranhamento sem essa ruptura; o uso de recursos não acidentais como linguagem crua, escatologia e detalhes grotescos; a narração da violência envolvida no patriarcado, incluindo sua letalidade e impunidade; a presença da perspectiva das vítimas; o ancoramento da violência no sistema capitalista.
Além de Mariana Enriquez, outras autoras que vêm escrevendo sobre a realidade da América Latina com os recursos do horror são María Fernanda Ampuero, Mónica Ojeda, Andrea Jeftanovic, Dolores Reyes, Augustina Bazterrica e Fernanda Melchor. Todas estão na minha longa lista de leituras para fazer algum dia.
Eu sempre me senti atraída por histórias de horror, e antes de encontrar meu próprio estilo e descobrir o tipo de histórias que gostava de escrever, me imaginava escrevendo uma, mas só como uma coisa bem distante. No fundo, eu acreditava que não sabia escrever horror, então achava que nunca realizaria esse desejo.
Mas ultimamente, venho pensando cada vez mais nisso. Não do jeito que eu pensava antes, quando lia algum livro muito bom e falava “Eu quero escrever assim algum dia!”, mas pensando a sério, a ponto de cogitar criar um pseudônimo para separar o público de forma adequada. As pessoas estranhariam bastante se abrissem um novo e-book publicado por Lethycia Dias e encontrassem uma história com os elementos que citei acima.
Acontece que agora, eu tenho uma história pra contar. E acho que o horror é o melhor jeito de fazer isso.
No mês passado, fui contemplada com uma vaga afirmativa para o curso sobre Mulheres latinoamericanas no horror, organizado pelo clube Raízes do Horror. Participei até agora de duas aulas do curso, das quais já estou saindo com novos acréscimos à minha lista de leituras desejadas, e isso aconteceu pouco tempo depois de eu ter tomado uma decisão importante sobre uma ideia de história nova que tive ano passado e, até semanas atrás, ainda não sabia como desenvolver.
A ideia vinha de um sonho que tive no ano passado e foi tão vívido que nunca saiu da minha cabeça. Fiz o registro no meu diário e também no Twitter, e até citei na edição nº 48 da news. Abaixo, um print:
A decisão que tomei nos últimos dias torna a história que quero escrever bem diferente do sonho em si, mas os elementos principais estão ali: um casal brasileiro, uma mulher estrangeira, a necessidade de realizar um aborto. O horror de que outra pessoa tenha mais controle sobre seu próprio corpo do que você.
Dois acontecimentos da vida real permanecem impulsionando a minha vontade de escrever sobre esse assunto. Pouco depois do meu sonho, duas notícias envolvendo violência sexual e direitos reprodutivos tiveram repercussão nacional. Ambas me deram a mesma impressão: as pessoas pouco se importam com as vidas ou o bem-estar de mulheres.
Escrever sobre isso, porém, vai me exigir muita leitura e pesquisa. É projeto para daqui a pelo menos dois anos, porque até lá, ainda tenho outras histórias para escrever. Tempo para pensar em como trabalhar tudo isso é o que não me falta.
As últimas
Concluí o curso de escrita que estava fazendo, o que significa que já posso voltar a (re)escrever o meu romance. Resumindo pra quem chegou por agora: desde 2021 eu tento escrever um romance que passou muito tempo em hiato devido aos meus problemas de saúde mental e que tinha muitas falhas na estrutura narrativa. Com um curso de escrita, descobri formas de reestruturar a narrativa e escrever (e finalizar) uma história bem melhor do que a minha primeira versão.
A promoção dos meus contos que fiz nos dias 28 e 29 foi muito bem-sucedida! Tive um total de 28 unidades de Mesmo que eu vá embora e Antes que as dores te sufoquem vendidas. Esse número é bem maior do que eu esperava quando resolvi fazer uma promoção de Dia do Orgulho, e fiquei muito feliz. Quando você tem um conto publicado há quase 4 anos, você chega a acreditar que não tem mais como vender porque a história provavelmente já foi lida por todo mundo que poderia se interessar. Vender tantas unidades em dois dias é surpreendente.
Foi por causa disso que resolvi fazer uma nova promoção aproveitando o hype do Prime Day. Dessa vez, incluí também Como Salvar uma Ceia de Natal na oferta. O número de vendas foi menor, mas novos leitores são sempre bem-vindos, e de qualquer forma, eu agradeço por terem comprado.
A promoção ainda estará ativa até eu alterar o preço amanhã cedo as 23h59 de hoje (12), então, se você só ficou sabendo agora, ainda dá tempo de aproveitar para comprar!
Li, ouvi e assisti
Após a última edição, concluí a leitura de Entre livros e fios dourados e gostei bastante! Li em um dia o conto Babados, xotes e forró, que como o nome sugere, é uma história temática de festa junina. Para a pesquisa do meu romance, que vai tratar principalmente de identidade racial e pertenciamento, li o incrível Tornar-se Negro, de Neuza Santos Souza. A partir dos relatos de dez pessoas negras que viviam processos de ascensão social, a autora investiga o sofrimento psíquico e a perda de identidade trazidos por esse processo numa sociedade em que, para deixar a miséria e a subserviência, o único caminho encontrado pelo negro é se adequar aos padrões e comportamentos de pessoas brancas. É um livro publicado pela primeira vez há 40 anos, mas que permanece atual, tocando em assuntos que ainda são discutidos hoje em dia. Foi uma leitura transformadora e posso dizer que eu não precisava desse livro só pra estudar. Eu precisava dele em um nível pessoal.
(Até as 23h59, a nova edição de Tornar-se Negro está em oferta no Prime Day).
Na segunda-feira, terminei de ler Os pilares da terra, após mais de três meses de leitura. Foi uma experiência boa reler essa história 9 anos após a primeira vez. Minha perspectiva sobre vários aspectos mudou bastante, alguns trechos me incomodaram, outros continuam me agradando. Gostei, de forma geral. Agora, vou partir para a continuação indireta desse romance histórico, que se chama Mundo sem fim.
E da semana passada pra cá, li por completo o livro Sacrifícios humanos, de María Fernanda Ampuero, um dos livros abordados no curso de Mulheres latinoamericanas no horror. A primeira história, intitulada Biografia, é a mais forte de todas, mas várias das outras são tão impressionantes quanto essa.
(Lembrando sempre que não posso enviar links afiliados da Amazon por e-mail, por isso preciso ser criativa para deixar meus links aqui. Caso você esteja lendo esta edição no seu e-mail e se interesse por algum dos livros citados aqui, lembre-se de abrir a versão web clicando no botão no topo da mensagem, ou de abrir a loja pelo meu linktree. Se está lendo pelo Substack mesmo, não se preocupe porque aqui é liberado. Pode clicar em qualquer um dos links e me ajudar me dando uma pequena comissão pelas suas compras.)
Dois episódios recentes do podcast 30:MIN reforçaram a minha vontade de ler dois livros que eu já queria ler. Em Merece o prêmio? (Annie Ernaux), os apresentadores discutem o livro O acontecimento, relato autobiográfico em que Annie Ernaux fala do aborto que fez quando era jovem e quando o procedimento ainda era ilegal na França. Já assisti ao filme que adapta esse livro e gostei bastante. Já o episódio mais recente do podcast aborda o livro Mulheres Empilhadas, de Patrícia Melo, uma história sobre violência contra mulheres e feminicídio que me chama atenção desde o lançamento.
Em seu último episódio, o podcast Os 12 Trabalhos do Escritor fala tudo a respeito de editoras que cobram para publicar, como funciona esse tipo de prestação de serviço, no que ele é diferente de uma publicação tradicional, para qual perfil de autores costuma ser vantajoso e como identificar e evitar golpes relacionados a “realizar o seu sonho publicando um livro”. É um episódio bem completo e eu considero como informação de utilidade pública para escritores, porque todo mundo no mundinho literário conhece pelo menos alguém que já teve problemas com publicações pagas feitas por editoras.
Após o fim da minha maratona no Hbo Max, assisti ao capítulo II de It - A Coisa pelo Prime Video e fiquei com vontade de reler o livro. Algum dia, quem sabe. Eu acabei de reler um livro de 900 páginas e não estou pronta para um de 1100. Também assisti ao documentário Exodus - De onde eu vim não existe mais (Globoplay), que conta histórias de imigrantes de diferentes origens tentando restabelecer suas vidas em diferentes partes do mundo. As histórias são ótimas. O único defeito é ter legenda branca e muitas imagens claras, o que torna a leitura difícil.
Comecei a assistir Desalma, também pelo Globoplay, e Sandman, pela Netflix. Estou andando devagar com as duas séries.
Na semana passada, também por causa do curso de mulheres no horror, assisti ao documentário Lorena. É uma minissérie com 4 episódios sobre o circo midiático envolvendo os julgamentos de Lorena Gallo e seu ex-marido, Jon Bobbit, nos EUA. Em 1993, após anos de violência doméstica e sexual no casamento, Lorena cortou o pênis do marido e enfrentou a misoginia, o sensacionalismo da imprensa e o descaso da sociedade estadunidense em relação à violência contra mulheres para provar que não era uma mulher agressiva e cruel, mas que tinha simplesmente reagido a anos de abuso. Um dos contos de Sacrifícios humanos ficcionaliza essa história de forma sensacional.
Eu fico por aqui.
Um abraço,
Lethycia
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*Tentei linkar o Para ler escritoras e o Escrevo Etc. aqui, mas acredito que já foram desativados. Porém ainda é possível consultar parte do material que era publicado numa página do Facebook.
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