E o vira-lata de ouro vai para... - Uma mulher que escreve #82
O brasileiro não dá valor aos artistas que tem - e ser artista me dá muita consciência disso
Olá, pessoas que leem!
Ontem, 23 de janeiro, houve a divulgação dos indicados ao Oscar de 2024. Desde 2017 eu acompanho a premiação, então, todo início de ano fico aguardando por esse momento, para 1) conferir quais dos filmes eu já vi no ano anterior; 2) ver o que surge de interessante nas categorias das quais eu normalmente não costumo estar por dentro dos lançamentos, como Filme Estrangeiro, Documentário e Documentário Estrangeiro; 3) ficar feliz vendo os filmes, atrizes e atores e diretores e diretoras de que gosto sendo indicados ou irritada pelas indicações daquilo e daqueles que não gosto; e 4) preparar a minha lista do que assistir e pensar em como vou ver isso tudo antes da cerimônia.
Dessa vez eu me preparei melhor, e embora não acompanhe outras premiações do cinema, já comecei a ver filmes que estavam levando outros prêmios desde dezembro, pra adiantar as coisas. Considerem que agora eu trabalho presencial de segunda a sexta e só tenho tempo de assistir filmes no final de semana, e que é muito filme pra ver. Nunca houve um ano em que eu conseguisse assistir a todos, seja por falta de acesso, falta de tempo ou mesmo de interesse em alguns dos títulos.
Mas decidi aproveitar que o assunto está em alta para comentar uma outra coisa relacionada a isso, porque alguns dias atrás, viralizou um tweet de alguém dizendo que A grande família é melhor do que muitas obras estrangeiras e merecia concorrer ao Oscar (?). Bait ou não, para além da loucura de achar que um seriado deveria receber um prêmio dedicado a filmes, me espanta também a vontade tão grande de agradar gringo, quando as nossas produções já são premiadas aqui e já são validadas pelo público - ou ao menos, parte dele. Quem lembra quando o país parou pra descobrir quem tinha matado o Max no final de Avenida Brasil?
A síndrome de vira-lata sempre me espanta…
É claro que, como alguém que acompanha o Oscar, eu vejo muitos filmes de Hollywood, mas eu já faria isso sem gostar do Oscar, porque essas superproduções são o que predomina nos cinemas brasileiros, e quando a gente abre a Netflix, o que ela mostra pra gente no topo da tela é o próprio lançamento genérico mais recente, geralmente feito nos Estados Unidos, não o filme polonês em preto e branco com nome impronunciável que a sua tia nunca ouviu falar.
Mesmo assim, quando comecei a diversificar o que assisto, descobri que os filmes estadunidenses não são a última bolacha do pacote, como tentam fazer a gente acreditar. Me apaixonei por Almodóvar e Del Toro, e já tenho os dois como diretores favoritos, assim como gosto da Greta Gerwig desde que vi Lady Bird. Descobri Wong Kar-Wai quando passei a assinar a Mubi em períodos promocionais e decidi que quero ver todos os filmes dele. Filmes como A Criada (2016) e Parasita (2019) me deixaram curiosa para conhecer mais do cinema sul-coreano. Assisti a todos os filmes do Estúdio Ghibli, um por mês, quando foram inseridos na Netflix, e amei finalmente encontrar animações que não seguem a fórmula Disney/Pixar. Também descobri que amo cinema brasileiro, e que não, não é só nudez, violência e pobreza, como costumam dizer as pessoas que mal conhecem o nosso cinema. E quando essas coisas aparecem, e daí? Ninguém tira a roupa em filme americano? Violência e pobreza não fazem parte da nossa realidade?
E gostar do Oscar não me impede de perceber os problemas da Academia e dessa premiação, como o fato de, em mais de 90 edições, 2023 ter sido a segunda vez em que uma mulher não-branca foi premiada como Melhor Atriz; ou como pessoas e filmes medíocres às vezes são premiados quando concorrem com coisa muito melhor; ou como certos gêneros - terror, por exemplo - sequer são indicados, mesmo produzindo coisa muito boa. O Oscar é, de fato, um clubinho de gente branca estadunidense e de alguns países da Europa, que às vezes tolera a presença de uns latinos, negros e asiáticos. Gostar de uma coisa não te impede ter críticas a ela.
E eu gosto do Oscar justamente porque me permite conhecer e assistir a um monte de filmes que talvez eu não me interessaria de outra forma, ou que sequer teria acesso se não fosse a publicidade trazida pela premiação! Todos os anos, alguns dos filmes só chegam aos cinemas brasileiros depois de terem sido indicados… E eu gosto também da cerimônia, dos encontros entre os famosos, das piadas dos apresentadores - quando são divertidas, de fato, e não estão só ofendendo minorias ou pessoas específicas - e das expressões de surpresa, alegria ou desgoto com os anúncios de quem foi premiado.
É claro que, sendo brasileira, eu entendo a alegria que dá quando nós, da periferia do mundo, conseguimos chamar a atenção daqueles que se dizem aptos pra dizer o que é bom ou não em arte, mesmo que isso seja questionável, então desde que O menino e o mundo perdeu para Divertida Mente como melhor animação, eu torço para que um dia um filme brasileiro consiga chegar lá, na categoria que for. Fiquei revoltadíssima quando descobri que a Fernanda Montenegro não foi premiada como Melhor Atriz por Central do Brasil em 1999, e também fiquei triste por Argentina 1985 não ter levado Melhor Filme Internacional no ano passado.
É legal ver os nossos impressionando quem se acha melhor do que gente, e não digo isso só em relação a filmes.
Nos últimos anos, fiquei feliz demais vendo livros como Quinze Dias, de Vitor Martins, Você tem a vida inteira, de Lucas Rocha, e Romance Real, de Clara Alves, sendo publicados no exterior, quando o normal é os livros de fora chegarem aqui aos montes e o escritor brasileiro não ter sequer vez no mercado. Sem falar em livros como Torto Arado, de Itamar Vieira Júnior, Enquanto eu não te encontro, de Pedro Rhuas, Luzes do Norte, de Giu Domingues, Conectadas, de Clara Alves, que já estiveram em listas de mais vendidos aqui no Brasil mesmo, e Céu sem estrelas, de Íris Figueiredo, que teve direitos vendidos produção cinematográfica.
No fim do ano passado mesmo, um dos filmes natalinos que assisti foi Ritmo de Natal, que tem como um de seus roteiristas Juan Jullian, o autor de Querido Ex, Maldito Ex e Viralizou. O filme, que tem Taís Araújo e Clara Moneke no elenco, é super divertido e não deixa nada a desejar em relação às comédias românticas estrangeiras cheias de neve e casacos.
É muito frustrante ser artista e saber que existe tanta produção nacional boa pra ouvir pessoas dizerem em conversas cotidianas que não gostam de filme brasileiro pelo motivo que já citei acima ou que literatura brasileira é chata porque “só tem clássico”, como se ninguém tivesse publicado mais nada depois da morte de Clarice Lispector.
Temos uma literatura super diversa, pra todos os gostos e idades, em todos os gêneros e estilos possíveis. Mas tem gente que prefere encarar livro nacional como piada e aceita qualquer coisa meia-boca que venha de fora. É o que Lady Sybylla, uma escritora que adoro acompanhar, chama de Síndrome do Capitão Barbosa, que faz com que um nome como João Barbosa passe muito pouca credibilidade a um personagem. Foi esse tipo de preconceito do brasileiro consigo mesmo - vinda de outra pessoa - que levou Paola Siviero a topar um desafio e escrever um cavaleiro chamado Tonico e uma maga chamada Josefa numa fantasia ambientada no Nordeste, em O Auto da Maga Josefa.
Aliás, já escrevi numa edição antiga sobre o ranço que muita gente tem com livros e autores brasileiros.
Uma anedota divertida: de alguma forma, gringos tomaram conhecimento da existência de Hilda Furacão. A minissérie de 1998 já estava chamando a atenção dos jovens depois de ter seus episódios levados a *meios alternativos* grupos de telegram, onde é possível assistir gratuitamente, e de alguma forma foi descoberta fora do Brasil. Esse tweet contém uma fanart gringa do Rodrigo Santoro como Malthus. Esse outro tem uma arte de Malthus e Hilda se beijando. E essa aqui virou meu plano de fundo do WhatsApp.
Aliás, edits - vídeos que reúnem imagens de filmes, séries ou novelas fora de ordem com músicas atuais - estão despertando o interesse do público mais jovem por filmes brasileiros. And I think it’s beautiful!
Deixo abaixo alguns dos meus filmes brasileiros favoritos:
O perfume da memória;
Romance;
Lisbela e o prisioneiro;
Hoje eu quero voltar sozinho;
O menino e o mundo;
Cidade de Deus;
Aquarius;
Retratos fantasmas;
Tempos de paz;
Só dez por cento é mentira.
As últimas
No dia seguinte ao envio da última edição, comecei a escrever o Haters to lovers universitário. Acertei o tom da história de cara, com minha protagonista já mostrando bastante de sua personalidade ao dar opiniões no primeiro parágrafo sobre quem deveria ou não participar de uma viagem da universidade para a participação em um evento acadêmico. Para o azar (ou a sorte) dela, a garota que ela mais detesta também vai.
Essa história tem personagens brasilienses passando alguns dias em Goiânia e é levemente inspirada numa viagem que eu e colegas fizemos a Campo Grande - MS em 2018, onde um conflito envolvendo hospedagem e estadia na cidade tornou um tanto mais tensa a rivalidade entre os cursos de Jornalismo e Publicidade. Até onde sei, nenhum casal novo se formou no meio dessa briga.
Até agora, tenho 2 capítulos escritos e já me diverti bastante.
Quanto a Nosso próximo adeus: acabei contratando uma leitura sensível mais cedo do que esperava. Uma das leitoras-beta já terminou de ler, e estou me divertindo muito com os comentários dela e de outras pessoas.
Li, ouvi e assisti
Do dia 12 até aqui, li por inteiro Livre pra te amar, um romance sáfico com duas mulheres acima dos 30 anos, enfrentando questões que envolvem carreira, casamento e família, e me surpreendi bastante com um plot que pegou um clichê de histórias de romance (gravidez) e trabalhou de forma bem diferente do óbvio. Gostei bastante de A teus pés e amei As aventuras de uma tripulante, que no momento está em pré-venda e será lançado no dia 27 de janeiro.
Continuo lendo Malibu Renasce e tendo vários gatilhos porque Nina Riva, a protagonista do livro, foi uma adolescente que precisou amadurecer rápido demais para sustentar a si mesma e aos seus três irmãos mais novos.
Também estou lendo Vozes Trans, uma antologia da Se Liga Editoral de contos com autoria e protagonismo trans; e Medicina por amor, uma releitura sáfica de Legalmente Loira que está me divertindo bastante.
Essa semana, estou ouvindo a playlist BSO Almodóvar (Soundtrack), com músicas dos filmes do Almodóvar, e morrendo de vontade de assistir a todos que ainda não vi. Quase todos os podcasts que eu gosto estão de férias, então estou ouvindo episódios antigos do História Preta. Gostei bastante de Um negro letrado na cidade das lettras brancas, sobre um homem negro que foi uma figura histórica no Uruguai.
Um tweet viral com um edit despertou a minha vontade de ver Hilda Furacão - que eu já conhecia e tinha vontade de assistir porque já li o livro, mas não era nada urgente. Ver que adolescentes e gringos estavam interessados nessa novela, porém, me deixou com vontade de assistir pra ontem, e fiz uma baita de uma maratona no fim do ano passado. Desde então, estou viciada! Gostei muito de como a novela se aprofunda no contexto político da história, que se passa nos anos 60, e estou completamente apaixonada pela Ana Paula Arósio. Conforme assisto, estou fazendo uma thread de comentários, e nela, vocês podem ver o quanto estou me divertindo.
Eu fico por aqui.
Um abraço,
Lethycia Dias
Meus livros | Links importantes | Entre no meu canal do Telegram | Visite meu site
Uma mulher que escreve é um espaço pessoal para registro de processo criativo e reflexões sobre escrita, literatura e arte em geral. Se gostou deste texto, compartilhe em suas redes sociais, leia edições anteriores ou se inscreva na newsletter para receber mais!
Caso se interesse por algum livro recomendado aqui, considere comprar pelos links deixados no texto: cada compra feita na Amazon a partir dos meus links gera pra mim uma pequena comissão que me ajuda a continuar escrevendo! Você também pode colaborar de forma direta fazendo um Pix para lethyciasdias@gmail.com doando qualquer valor!
Amo todo o evento do Oscar tbm. Mas não super levo a serio por 99 tá ai pra provar q é clubismo e monte de homem branco premiando não necessariamente o melhor. Mas concordo q o evento é divertido, ver os filmes é legal e ficar atento às categorias menores sempre traz surpresas. Hehehe....
E esse ranço de nacional me da uma preguiça. Por isso divulgo autores nacionais com força. A gente tem mta gente boa!
AAAAAAAAA não tava sabendo que o romance já tinha título!!!! AMEI! <3