Não é só no presencial que se faz evento literário - Uma mulher que escreve #92
Encha Seu Kindle e o potencial de eventos literários online para mobilizar escritores, leitores e influenciadores que de outra forma talvez não poderiam se reunir
Olá, pessoas que leem!
Como alguém que tenta ao máximo aproveitar promoções de livros e que, para completar, trabalha com programa de afiliados recebendo comissões por indicar produtos para outras pessoas, eu abro o site brasileiro da Amazon todos os dias. Mesmo. A não ser que esteja de viagem ou sem internet, eu diariamente abro o site, percorro todas as minhas listas de desejados para ver o que está com desconto, e abro também a página de promoções de e-books e a de e-books gratuitos. É assim que quase sempre eu consigo comprar os livros e outros produtos que eu quero quando ficam bem baratos, e às vezes até baixar de graça um livro que normalmente custa bem caro.
A página dos e-books gratuitos segue as tendências do público, porque não mostra todos os livros que estão gratuitos naquele dia, mas sim um ranking momentâneo dos 100 mais baixados. E de vez em quando, esse ranking que normalmente só tem livros em português (afinal, é a Amazon brasileira) fica cheio de livros em inglês, a maioria de romance.
Foi assim que eu conheci o Stuffy Your Kindle Day, um evento em que autores independentes do Kindle Direct Publishing (KDP) deixam seus livros gratuitos para que os leitores possam baixar e “estufar” o próprio Kindle. Muita gente que lê em inglês aqui no Brasil aproveita pra baixar aquilo que gosta, e até eu, que estou estudando inglês mas ainda não consigo ler textos tão longos, baixo o que me interessa para ler no futuro.
Esse interesse crescente dos leitores brasileiros no Stuffy Your Kindle gerou a demanda por algo parecido que mobilizasse os autores independentes brasileiros, e foi assim que no ano passado, o portal Divulga Nacional criou e realizou o Exploda/Encha Seu Kindle. Houve um período de inscrições para os autores por meio de um formulári onlineo, e no dia, uma página no site do Maratona App exibia os livros participantes indicando quais estavam gratuitos, quais estavam com desconto e permitindo filtrar por gênero. Durante todo o dia, o evento mobilizou leitores, escritores e influenciadores nas redes sociais e conseguiu furar a bolha, chegando também às pessoas que não têm tanto costume de comprar livros pela internet, chegando a virar pauta do jornal O Globo.
Autores relataram resultados incríveis: milhares de downloads gratuitos e muitas vendas dos livros não gratuitos. Pra mim, foi muito bom também, e contei como ficaram muitas vendas na edição 76 de Uma mulher que escreve.
Estamos nos aproximando da segunda edição do Encha Seu Kindle, que este ano será realizado no dia 24 de agosto pelo Divulga Nacional em parceria com o próprio KDP da Amazon! (Clique aqui para se inscrever, até o dia 14 de agosto, e aqui para conferir alguns esclarecimentos). Desde que a Íris, criadora do Divulga, anunciou isso, só ficou mais forte pra mim a ideia do quanto esse evento é enorme, e do quanto os portais de divulgação e influenciadores literários brasileiros podem movimentar o mercado da literatura de um jeito que outros atores desse meio talvez não possam.
Essa força do Encha Seu Kindle também me leva a pensar no quanto eventos literários online são poderosos, porque, bem… Não é toda cidade no Brasil que tem livraria e biblioteca, muito menos uma feira ou festival literário ou uma bienal do livro. Sequer existe um evento do tipo em todas as capitais do país, e muitos leitores e escritores não podem arcar com os custos de uma viagem até o Rio de Janeiro ou São Paulo todos os anos só para estar na Bienal. Já cheguei a escrever sobre a energia incrível que os eventos presenciais trazem, mas pra quem não pode viver isso, o contato online acaba sendo a única coisa a nos permitir uma conexão com a literatura que não seja aquela silenciosa e solitária de sentar e ler.
E é por causa disso que eu gostaria de ver mais eventos como o Encha ou como eventos que se tornaram comuns durante a pandemia e que simplesmente acabaram quando voltou a ser possível fazer eventos presenciais.
Uma das minhas maiores frustrações em gostar tanto de literatura é viver num lugar onde quase nada acontece. É só ter um evento por ano pra poder ir e saber que uma passagem de avião de ida e volta até São Paulo custa mais do que o meu salário. É saber que quando uma editora fizer a tuor de lançamento de algum livro, essa tuor não vai passar por aqui. É saber que autores que vivem no Norte e no Nordeste, por exemplo, são menos convidados para participar da programação oficial dos grandes eventos porque, para a organização* destes, “é caro” trazê-los pela distância (mas sempre é possível trazer autores estadunidenses que estão em alta). É saber que não posso seguir aquele conselho de “vá aos eventos, prestigie os lançamentos de outros autores, participe de clubes de leitura e rodas de conversa”, porque quase sempre não há como.
E é claro que eu poderia resolver tudo isso me mudando para onde as coisas acontecem, mas é justamente isso que dói: ter que ir para outro lugar. Como se fosse fácil e barato mudar de cidade e como se não pudesse haver oportunidades iguais simplesmente para se viver algo que a gente gosta.
Eu sei que não é só de compra e venda que os eventos literários são feitos, e apesar de ter começado a escrever esta news por causa do Encha Seu Kindle, também posso destacar alguns exemplos de eventos literários que já promoveram conversas muito pertinentes, além do contato leitor-leitor e autor-leitor que são tão legais nos eventos off-line.
As duas edições do Flicadê, organizadas pelo Cadê LGBT em 2020 e 2021, contaram com rodas de conversa entre autores e influenciadores por transmissão ao vivo no YouTube. Participei de uma delas falando sobre assexualidade com Dayane Borges, Eric Novello, G. G. Diniz e May Mortari, e foi uma experiência incrível.
Nos anos de 2020, 2021 e 2023, a Se Liga Editorial produziu a Se Liga Con, também pelo YouTube, no mesmo esquema: lives de conversa entre autores (publicados ou não pela Se Liga), influenciadores e outros profissionais.
Outra editora que também utilizou muito bem esse recurso foi a Seguinte, nas edições de 2020 e 2021 da Flipop Online, que foram uma espécie de adaptação do evento que a realiza de forma presencial e que, devido à pandemia, tornou-se impossível de fazer em 2020. Lembro que na época, quando todos estavam amedrontados demais pela Covid-19 e sentindo falta demais de interações sociais, acompanhar as lives, conversar pelo chat e poder ver e ouvir os autores que mais gostamos foi uma alegria e um alento muito grandes.
Os eventos não se resumiam apenas a assistir lives, pois vários deles contavam com brincadeiras de interação para o público, além de sorteios e promoções. Filtros para foto e vídeo nas redes sociais e o “momento do print”, quando os participantes das conversas posavam para ter a tela printada por quem estava assistindo, garantiam as lembranças do evento. Nada disso se compara a poder abraçar seu escritor favorito, eu sei, mas quando não se tem acesso aos grandes centros culturais, pode ser uma das poucas formas de nos sentirmos mais perto de quem a gente admira.
Saindo um pouco da literatura, O Texto & o Tempo promoveu discussões sobre newsletters com diversos autores desse formato de texto que surgiu online. Realizado via zoom em 2022, o evento teve ingressos vendidos pelo Sympla e pagou cachê aos palestrantes. Eu fui uma convidada e participei da mesa-redonda Newsletter Fantástika: como promover o trabalho de ficção com newsletters junto com Carol Chiovatto, Eric Novello e Felipe Castilho, com mediação de Ligia Colares.
Eu sei que organizar um evento não é nada fácil nem barato, e que mesmo de forma online, ainda exige investimento, bom relacionamento com todos os profissionais envolvidos e muita logística para fechar as participações e preparar toda a programação e divulgação, além do contato básico com o público para esclarecimento de dúvidas e recebimento de feedback. Eu dificilmente me sentiria apta a organizar um.
Mas como leitora, escritora e alguém que gostaria de ter muito mais contato com a literatura, eu adoraria existissem mais eventos literários online, parecidos ou não com os exemplos que citei neste texto.
*Um pequeno esclarecimento
Por ter trabalhado na programação cultural da Bienal do Livro de 2022 e por estar inserida no meio literário há muito tempo, eu sei que muitos fatores influenciam na escolha dos convidados de um evento. Questões de temática das rodas de conversa, adequação ao público, disponibilidade de agenda, motivações políticas e/ou mercadológicas, e até a necessidade de atrair a maior quantidade possível de pessoas para garantir o retorno financeiro esperado. Mas é verdade que existe nos eventos literários uma grande predominância de pessoas com certas características em comum (brancas, publicadas por grandes editoras, residentes na cidade em que o evento acontece), e as observações sobre falta de diversidade dos convidados/palestrantes, feitas não só por mim nesse texto, mas também pelo público e por escritores e influenciadores há anos, são mais do que justas.
Não pretendo com esse texto apontar dedos de forma acusatória para nenhuma pessoa ou empresa específica - até porque sou muito grata às oportunidades que já tive -, mas esse é um assunto que não pode ser ignorado.
Encha seu Kindle com meus livros!
Estou empolgada para o Encha Seu Kindle 2024 desde que o portal Divulga Nacional anunciou que faria uma segunda edição, e mais ainda depois de saber que o KDP estaria envolvido. É claro que vou participar novamente este ano, e novamente, todos os meus livros estarão envolvidos.
Li, ouvi e assisti
No momento, estou lendo Discurso sobre o colonialismo, de Aimé Césaire, Encarceramento em massa, de Juliana Borges, e Oboré: Quando a terra fala, de Martha Batista de Lima, Célia Xacriabá, Hugo Fulni-ô, Kaká Werá, Daiara Tukano, Walderes Cocta Priprá, Joziléia Kaingang e Kerexu Yxapyry. O primeiro é um texto já clássico em que o pensador político não tem papas na língua para criticar, por vezes com elegância, por vezes com muita ironia, os pensadores e perpetradores de doutrinas colonialistas que levaram exploração, violência e sofrimento a várias partes do mundo. No segundo, a autora analisa a relação entre nosso passado colonial escravocrata e as políticas de criminalização da racialidade e da pobreza que levaram o sistema carcerário brasileiro a ser como é hoje. Já o último reúne falas de sete lideranças indígenas de diferentes povos do Brasil, que falam de suas perspectivas, visões de mundo e da urgência da manutenção de seus territórios não apenas para a própria sobrevivência, mas também para a preservação dos biomas brasileiros.
Estou ouvindo as minhas músicas favoritadas no Spotify, mas também andei escutando muito a interpretação de Ana Carolina de Malandragem.
Entre os filmes que assisti recentemente, curti muito Love, Lies Bleeding, com Kristen Stewart, que posso resumir como sáficas fortonas matando por amor e enfrentando o crime organizado.
Por hoje é só.
Um abraço,
Lethycia Dias
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