Ouvir "não" faz parte, mas não é fácil - Uma mulher que escreve #103
Comecei minha coleção de rejeições, mas antes disso já tinha recebido um "não" bem mais difícil de aceitar
Olá, pessoas que leem!
Comentei na edição passada que existe uma parte do trabalho de todo artista que permanece invisível. Mesmo que o leitor siga o escritor pelas redes sociais, acompanhe toda atualização possível, ainda fica sem saber de algumas coisas. E há pelo menos um ano, eu tenho feito um trabalho invisível com um o meu primeiro romance, buscando alternativas para publicá-lo sem ser pela via independente.
Embora eu seja escritora independente há vários anos, publicar com uma grande editora sempre foi um dos meus sonhos. Como um dos caminhos para chegar às grandes editoras é ter um agente literário, então, eu também sonho com isso. Mas por um bom tempo, não pude sequer tentar nenhuma das duas alternativas.
Por anos, só consegui escrever histórias curtas, e só via para elas a possibilidade da autopublicação pelo KDP. Eu vinha tentando escrever a história que hoje é Nosso próximo adeus será o último desde 2020, sem conseguir levar adiante, e só consegui finalizar em 2023 após fazer um curso de escrita e reestruturar todo o planejamento do romance. Dessa forma, sempre que uma agência literária ou uma editora tradicional abria um período para recebimento de originais, eu não tinha material para enviar e me sentia perdendo oportunidades.
Então, quando concluí meu primeiro romance e logo no mês seguinte surgiu o edital de um novo prêmio literário com premiação em dinheiro e publicação por uma editora respeitada… Eu me joguei! E foi assim que comecei a minha coleção de rejeições.
Quero falar um pouquinho sobre isso hoje.
Atenção! Nenhuma editora, agência literária ou prêmio literário será mencionado nominalmente aqui. Todos serão designados de forma genérica, como Prêmio Literário 1, Editora X., etc. O objetivo desse texto não é expor ninguém ou desfiar mágoas, até porque entendo que os prêmios e seleções seguem critérios previamente estabelecidos e que não ser selecionada faz parte do processo. O que eu quero de verdade é falar do que venho sentindo com essa experiência nova.
O universo da escrita exige da gente muito desprendimento, muito desapego da própria vaidade. Primeiro, você precisa aprender a permitir que desconhecidos leiam as suas histórias. Não ter vergonha disso. Você tem que entender que nem todo mundo é igual à sua mãe, que acha lindo tudo que você faz. Nem todo mundo vai gostar do que você escreve. Você também tem que aprender a ouvir as sugestões de um leitor crítico, um leitor sensível, um revisor, que talvez vão te dizer que sim, talvez deveria repensar esse acontecimento, esse parágrafo, esse capítulo. Talvez você tenha feito uma grande merda e precise consertar para ter uma história boa.
Mas você também precisa de autoestima suficiente para acreditar que as suas histórias são sim boas, que há pessoas querendo ler o que você escreve, que aquela avaliação de 2 estrelas na Amazon pode ser apenas porque o seu livro não era o que aquele leitor específico queria. E que sim, mesmo que você tenha ouvido alguns “nãos”, isso não faz de você uma escritora ruim.
É preciso ter consciência de que você não é o novo Machado de Assis (ou o Tolkien, ou a Clarice Lispector, ou o Stephen King, ou seja lá qual for a sua grande referência), mas também saber que você não é ruim a ponto de não ter nenhuma chance na escrita.
Por que o meio-termo é sempre tão difícil?
Aprendi a baixar a bola e entender que eu não era nenhuma gênia ainda na graduação em Jornalismo, nas aulas de Produção de Texto Jornalístico, quando minhas notícias e reportagens eram lidas, editadas e criticadas por colegas e pela professora antes de irem para o jornal produzido pelos estudantes. Então, pra mim, não foi muito difícil aprender a ouvir o que as revisoras e leitoras críticas dos meus livros me diziam após devolver o manuscrito.
Mas esse novo tipo de “não” vindo diretamente de editoras e entidades que poderiam abrir portas para uma nova fase na minha carreira não tem sido fácil de receber. Ainda mais considerando que comecei a encarar algumas dessas seleções das quais participei como um tipo de “saída financeira”.
Não é que eu acredite que, publicando por uma editora, poderia vender centenas de milhares de exemplares, ficar famosa e passar a “viver de escrita”. Eu sei que até os autores best-sellers no Brasil precisam de um outro emprego ou de trabalhos como cursos, tradução e revisão para pagar as contas.
Acontece que nos últimos anos, enquanto eu não conseguia escrever uma história mais longa, as leituras e vendas dos meus livros já publicados foram caindo. É uma coisa normal de se acontecer para quem publica na Amazon. O valor que eu recebia mensalmente do KDP, que nunca foi lá essas coisas, foi diminuindo. E mesmo nos meses em que as minhas histórias rendiam mais, como no Mês do Orgulho, os números foram se tornando cada vez menores.
E com isso, o valor na conta em que eu guardo dinheiro para investir em novas publicações ia aumentando muito, muito lentamente depois de eu ter pagado pelo curso de escrita. De um jeito que, após terminar meu romance, eu sabia que não teria dinheiro suficiente para investir nos serviços editoriais e na divulgação. Teria que escolher entre um e outro. Talvez nem conseguisse pagar pela capa e pela revisão, já que os serviços de texto são cobrados de acordo com o tamanho do manuscrito. Essa história custaria muito mais do que as anteriores, já que é bem maior. E como eu poderia publicar sem garantir um material de qualidade para os meus leitores?
Assim, quando o Prêmio Literário 1 foi anunciado, prometendo um prêmio em dinheiro e publicação com a Editora Y, eu achei que tinha encontrado uma saída. Sendo premiada, eu não precisaria mais me preocupar com o investimento na publicação, certo?
Meses depois, eu também tentei uma residência literária com a Editora Local X, que ofereceria aos participantes selecionados momentos de imersão em escrita, incluindo uma aula presencial com um Autor Renomado, e uma bolsa de mil reais que ajudaria muito o meu pobre Fundo de Investimento Para Novas Publicações caso eu não fosse selecionada pelo Prêmio Literário 1. Enviei o meu texto - um outro texto, que nada tinha a ver com o romance - de acordo com as especificações do edital e esperei, mas não fui selecionada.
Assim como também não fui premiada pelo Prêmio Literário 1.
Fiquei triste, mas vida que segue, eu sabia que isso podia acontecer. A data que seria mais favorável comercialmente para publicar meu romance de forma independente já havia passado antes de o resultado do prêmio sair, então, eu disse a mim mesma que em 2025 tentaria a publicação independente.
Então veio a Editora Z com uma nova oportunidade pra mim.
Novamente eu me preparei, formatei o texto, segui todas as orientações possíveis. E há alguns dias, soube que também não fui selecionada.
Racionalmente, eu sei que isso faz parte. Sei também que as rejeições são mais frequentes do que as repostas positivas. Stephen King conta, em Sobre a escrita, que começou a pregar numa parede as cartas com negativas de publicação em revistas literárias, e que a mais importante delas foi aquela que, além de dizer “não”, também dava sugestões de como melhorar o texto. Anna Fagundes Martino, da newsletter Escute esta canção, conta que se permite pedir uma pizza a cada x número de rejeições.
Eu entendo o princípio. Receber muitos “nãos” significa ter tentado muitas vezes. E talvez mais importante do que isso, significa também não ter parado de tentar.
Mas existe também um “não” silencioso e cruel que eu ainda não tinha lido na biografia de nenhum autor de sucesso, até porque a palavra “sucesso” não costuma ser associada ao meio independente, que é onde esse “não” é praticado.
Se você não tiver dinheiro para investir, dificilmente poderá continuar. Se seus livros não cobrirem os próprios gastos, você não poderá publicar novos livros. Não com o mesmo padrão de qualidade.
Esse “não” é bem difícil de receber.
Eu sei que existem alternativas.
Eu poderia publicar em plataformas gratuitas, como o Wattpad, onde não existe uma exigência para profissionalização da escrita, já que os livros não seriam comercializados. Mas, se eu não puder vender um livro novo, não vou resolver o problema da baixa rentabilidade dos livros antigos.
Eu poderia trocar serviços com outros profissionais, uma prática que sei que é comum no meio independente, mas ainda assim, fico dependendo de outras pessoas que precisem daquilo que eu possa oferecer, e as minhas chances de conseguir produzir uma capa comercial - um fator bem importante para as vendas - também ficam restritas apenas às pessoas que aceitem trabalhar com permuta, o que reduz bastante as possibilidades de dar certo.
Eu poderia usar dinheiro do meu salário para cobrir a falta, sabendo que as chances de recuperar o “investimento” são pequenas. Fiz isso quando publiquei o meu primeiro livro, mas o plano sempre foi utilizar os ganhos de um para pagar pelos próximos. A longo prazo, o resultado também pode ser prejudicial.
Sinceramente, não sei o que fazer. Todas as opções são tão ruins quanto ficar sem publicar.
Tem promoção vindo aí!
Meu conto Mesmo que eu vá embora entrará numa das promoções oficiais da Amazon de 20 a 30 de abril, pelo precinho de R$ 5,99. É um valor baixíssimo para ler a minha história sobre amigas virtuais que se apaixonam, que desde 2019 vem encantando leitoras Brasil afora.
Além disso, nos dias 23 e 24 de abril - também conhecidos como quarta e quinta-feira que vem, acontece o App Day, outra das grandes promoções da Amazon, dessa vez somente pelo aplicativo.
Esses eventos de ofertas sempre são um bom momento para comprar livros, e-books e dispositivos Amazon, como os Kindles, além de fazer uma assinatura promocional do Kindle Unlimited para poder ler e-books emprestados sem precisar comprar.
E claro, fazendo isso por meio dos links que eu divulgo, incluindo aqui na newsletter, você me ajuda muito a continuar podendo escrever e publicar!
(Se você está lendo esta edição pelo e-mail, saiba que eu não posso enviar links afiliados dessa forma, então, pode usar o meu linktree para fazer qualquer tipo de compra e ainda me ajudar a receber uma comissão! Se está lendo pelo app ou site do Substack, aqui não existe essa restrição, então a Amazon está linkada com links comissionados em todo o texto.)

Li, ouvi e assisti
Continuo lendo As cartas de John Lennon, A Convidada e A Síndrome da Boazinha. No início de abril, comecei a ler Lá não existe lá, de Tommy Orange. O livro entrelaça as histórias de vários pessoas indígenas que vivem em contexto urbano nos Estados Unidos, nos dias de hoje. Sabe aquela galera que quando vê um post feito por indígena em rede social, acusa o autor do post de “não ser índio” só por ter acesso à internet? Pois deviam ler esse livro!
Passei alguns dias ouvindo a playlist Passageiro, que contém músicas recomendadas nas edições da newsletter de mesmo nome, escrita por Matheus de Souza. Agora, estou ouvindo Jazz for Lovers.
Nos últimos dias, assisti ao filme Suk Suk: Um amor em segredo, sobre dois homens que passaram a vida casados com mulheres, tiveram filhos e seguiram todo o roteiro da “família tradicional”, mas constroem um relacinamento juntos na terceira idade. Recomendo pra quem gosta de filmes introspectivos e melancólicos. Corra, porque vai ser removido da Netflix no dia 1º de maio!
Por hoje é só.
Um abraço,
Lethycia Dias
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oi, lethy. tudo bem? sei como se sente, na época em que lancei meu primeiro romance, me inscrevi em diversos concursos e, mesmo antes, em oficinas literárias renomadas - as respostas foram "não". mas, naquele tempo, eu estava iniciando minha carreira e isso não doía tanto. eu encarava as rejeições com mais naturalidade, pois também me incentivavam. hoje, depois de 10 anos no mercado, elas já me afetam, mas também sei que, depois de tanto tempo, minha literatura evoluiu e, talvez, eu tenha muito mais chances de um sim hoje em dia. espero que você insista enquanto isso fizer sentido para você! mas caso só haja uma alternativa (publicar pelo KDP), que ela te deixe feliz - e, claro, você saiba que fez o melhor dentro das possibilidades que tinha! e saiba que estarei sempre aqui torcendo por você! <3